quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

a bela fuma cigarros

Edson Bueno de Camargo

não há halos

luz de meu entorno

são natimortos em minha presença

os rastros de luminescência

partículas capturadas pelo instante

a bela fuma cigarros na sacada

tentando fugir com a fumaça

e suas promessas de liberdade

o verdugo dança uma polca

comanda seus parvos de cinza na pocilga

constrói castelos de ossos e alicerces de sangue

anjos

Edson Bueno de Camargo


anjos quando são pedra

não sonham

deixando o sonhar

não choram

não vertem suas lágrimas ao luar

dormem na rocha

todo o instinto

até que libertam

o grito mineral

as rosas esta tarde

morderam a pouca luz de teus olhos

quando o vento soprou espelhos na praia

onde relâmpagos deram seu beijo

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

girinos azuis

Edson Bueno de Camargo

Nerfertiti grafada sobre a pele negra

suporte ideal

da beleza que cresce sobre a beleza

olhos desconfiados de Lornhons

gata de pele lisa de lontra

ainda que a loucura não passe

passemos nós

o amor é esta febre terçã

que entorna a realidade

sob a qual sucumbe a razão

sempre tive ódio do papel em branco

suas insinuações de rascunho

seu nada incomodante de princípio de tudo

depois vem as garatujas

de girinos azuis nas margens

os arabescos de uma linguagem arcaica

de antes de tudo começar

tecido cobertor

Edson Bueno de Camargo

linha de bordado
urde campos
trama altos e planos
compõe a linha do horizonte em dobrados
o trabalho da velha lançadeira

uma urze
planta que
se finca no solo com destreza
imediatamente as raízes passam a respirar terra

e deste tecido cobertor
com a lã de velocinos de ouro
cobrir as costas do velho
para que este passe a dormir tranqüilo

terça-feira, 21 de novembro de 2006

brancos nas bordas

Edson Bueno de Camargo

o garfo aterrado

sugere brotações

metálico-orgânicas

seus dentes raízes a alunissar-se

além

plantações de garrafas verdes variegadas

em parreirais

e roseirais

brancos nas bordas

se rama

onda fluência

água cabelo quente

em doses homeopáticas

traçar planos de fuga

umbrais de terremoto

passos de dragão

e verter em cabeças de hidra

dentro de uma grande cratera

o vinho fóssil destes dias

fiandeiras.

Edson Bueno de Camargo


trezentas fiandeiras e suas rocas

fiam que fiam o rio em azul

esticam sua margem em veias nervuras

e cardam o fio de tecer o futuro

trezentas tecelãs e suas lançadeiras

tecem que tecem o horizonte

o azul vai se misturando ao ouro

e tramam o tecido de água e céu

trezentas costureiras e suas tesouras

cortam que cortam o pano azul

costuram o céu com linha e agulha

e para suas filhas cozem vestidos

trezentas meninas e suas brincadeiras

dançam que dançam em seus ornamentos

vergam trajes azuis que lhes acondicionam

e vestidas de água passeiam no ar

domingo, 12 de novembro de 2006

diamantes

Edson Bueno de Camargo

e se eu te perder (?)
nesta neblina opaca que é o medo
e insondável céu de diamantes

que me devorarão os olhos
broca do duro metal inquebrantável
e te devolverá a pele móvel dos lábios

antes fosse mudo e inexato
me ateasse fogo
ao te ferir
e assim mesmo
firo
e te embebes de tristeza

tenho receio de escusas
se estas se multiplicam miríades de estrelas
desculpas são como mentiras
não se prescindem umas das outras
e se multiplicam ao infinito

que vivo o médico e o monstro
o louco, o devasso, o santo
tenho uma carta com um nó
colada em minha testa
e a garganta com os sons do enforcado

suas lágrimas são ácido
e comem os meus pés e minhas mãos
melhor arrancar os olhos dos cavos glóbulos
a me sentir assim sozinho

sem tu me dispo de mim mesmo
e mergulho num vazio líquido e sem fundo

e tudo que quero sempre é seu colo e seu regaço
um abraço para dormir tranqüilo e morno

fel aveludado

Edson Bueno de Camargo

fico tentando
triturar meus dedos
neste ar rarefeito

enquanto teus olhos
evitam
minha crueldade

sei que o ódio não compensa
o veneno que destila
este fel aveludado

goteja em minha boca
e depois te beijo
sem piedade

gatos de porcelana

Edson Bueno de Camargo

gatos de porcelana
vãos, vasos e telhados chineses
uns vermelhos outros pretos

verão de 1968
calças curtas e cabelo a la fuzileiro naval
degraus vermelhos
cimento queimado e sempre-vivas
o velho caminhão verde

(alguns anos mais tarde
li o Livro Vermelho de Mao em espanhol
e me descobri comunista)

em trinta e oito anos a Terra mudou seu eixo
algumas vezes
e algumas verdades ficaram amanhecidas

terça-feira, 7 de novembro de 2006

analgésico

Edson Bueno de Camargo

qual analgésico
me recuso a doer
medicado
além do necessário
mendigo de solo pecado
salário de dor e do ódio

leviatãs de estrelas brancas na testa
abrigo de Jonas em fuga sorrateira
a(os) Deus(es)
nada se faz sem olhos

seda agora não branca das núpcias
lábios roxos e murchos
flores mortas e murchas
cravos de lapela
talismãs cujo sentido foi perdido

lamelares exoesqueletos fazem música
martelos não contém os ouvidos
lamentos não contém os olvidos
libélulas gigantes pré-históricas
ravinas de dentes afiados

rima indômita e nauseante
versos em indo-europeu arcaico
incompreensíveis até a língua que os fala

galo

Edson Bueno de Camargo

1_

o cálamo
serve-se a veia negra
sangue tinta
sangue água
água tinta no metal

2_

galos poemas
no topo da catedral
pedra palavra
palavra papel
pedra papel
e suas histórias ocultas
sangue pedra

3_

uma mão imensa
toca o céu em seu ponto oco
umbigo celeste
onde árvores devoram a chuva
comem os cavos intensos
da chuva pedra

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

vidro sob a pele

Edson Bueno de Camargo

sente
o vidro sob a pele
ferida sem cicatriz
verniz oco e opaco

a morte feita em pedaços
pecados mornos
resina doce translúcida




não fazem anos as mortes não acontecidas
plano sobre plano espelho
e as tardes como noites vazias
tentavam falar girassóis

e seu todo vermelho
encimava em verões natimortos
brancos como a manhã em que te conheci

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

prisma

Edson Bueno de Camargo

apoio no prisma, te
a luz dilacerada e dolorosa
do banquete de miríades
das rosáceas multicores
mais azuis do que vermelhas

a casa envelheceu mais um pouco
suas rugas trincam o reboco
do jardim
suas cores esmaecidas
nos convidam a dormir

lavei os escolhos
sob o bronze da torneira
e a água pareceu-me ainda turva

meus olhos de não ver
ter braços e pernas para não andar
sempre sob a luz da lua
nunca sob a luz do sol

vidro de três cores

Edson Bueno de Camargo


aves heráldicas
decoram o ar da manhã
azul sem pontas
fios da fina tapeçaria

Remédios Varo pendurada na sala
e suas lentes de olhar escuro

o tempo (Cronos) após sua morte
Netuno emasculado
tornado Saturno de nossas melancolias

o cinzeiro é vidro de três cores
das quais o azul-verde tem mais reflexos
fundo das garrafas
cujo vinho foi entornado nas fontes

embriaga
o sexto sentido
andar sem luz entre os vestíbulos
descrever o braile escrito sob a casca das árvores
pequenos orifícios antevistos
insetos cegos que por fim a matarão

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

úmeros presos

Edson Bueno de Camargo

1-

úmeros presos
atados a nódulos calcificados

2-

calcinados passeios públicos de Pompéia
o desespero preso a rocha vulcânica
leituras de corpos na pedra

3-

e tu além disso me espera
enquanto conto os grãos de areia desta praia
fragmentos finíssimos de quartzo
pontos negros de turmalina

4-

minha mãe olhou com condescendência
a toda esta minha insanidade
enquanto fui embora sem ao menos lhe dar adeus

sábado, 7 de outubro de 2006

bandeiras navais japonesas

Edson Bueno de Camargo

1-

circundar sobrancelhas com a ponta dos dedos
toque suave quase não
beber cada arrepio
o tato da pele dos dígitos
tomar para si as células sensíveis do outro


2-

as roupas no varal
flâmulas coloridas
seriam bandeiras navais japonesas


3-

o jardim derrama crisântemos brancos e dálias amarelas
nos granitos da calçada

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

cerejas como no verão passado

Edson Bueno de Camargo

se a ti perverso caminha na beira da navalha
cerejas como no verão passado
sempre depois da chuva de flores estrelas

na china branca
prato sobre a mesa
certo brilho de prata
edulcorar o mesmo medo que na nova se encontra

o chiar ainda procura o chá
xícaras com florzinhas azuis

o gato dorme tão próximo ao fogão
que sonha alcançar o fogo

aquele que carrega nos olhos

devoções

Edson Bueno de Camargo

tulipas, tubérculos e mesa sempre posta
a espera de visitante
esse
nunca chega
sempre a espera

caixas de tralhas
carretéis vazios
berloques quebrados
botões diversos
tesouras sem corte
e cacos de cerâmica azul

holocaustos pelo café da manhã
olhos inundados de marés
cáusticas palavras
e ilações

imolações do pão e da manteiga
café preto e lento
uma faca perto de estar cega
um pote de barro antigo
mas que ainda carrega a indução do fogo
(Nero na escuta)

ouro na ponta da vela
devoções

no facho de luz
último que foge desta tarde
iridescente
contempla galáxias

sábado, 30 de setembro de 2006

verde incandescente

Edson Bueno de Camargo

vírus lâmpadas
vidro orgânico e luminescências
essencial verde incandescente

lanterninhas japonesas
lançadas à estrada
coleópteros fosforescentes
pedras medonhas

sonhos com fogos fátuos
e incêndios misteriosos

calar a boca do campo
portais e esteios de madeira antiga

ouvir a voz do vento

fagulhas e centelhas

Edson Bueno de Camargo

a monja
rompe o ar da sala
indiferente aos presentes
pousa na parede

antenas vibram o caos
sinos reverberam inoportunos
de igrejas e fé ausentes

Cristo morreu de novo
hoje bem cedo
nas orações de uma velhinha

fagulhas e centelhas
fragmentos de estrelas posavam em seus olhos

segunda-feira, 25 de setembro de 2006

crisálidas

Edson Bueno de Camargo

crisálidas
se quebram como quartzo orgânico
lento
de dentro para fora
cujo receio é não ter forças

e se rompe no momento certo
em qualquer espaço de tempo
entre o princípio de tudo e a certa medida

o homem novo não tem medo de escuro
as varetas
dando a vaticínio errado

homem e a mulher novos
tem os dentes brilhantes e posam no outdoor
vestem camisas brancas
e sapatos azuis

as mariposas
impassíveis a tudo
mudam de cor e de lugar

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

óleo queimado

Edson Bueno de Camargo

trata-se de nós em linhas cruzadas
babylook escrito Jesus
e a calcinha vermelha aparecendo uma renda
(fosse outro tempo arriscava um sorriso)

espelhos de espeluncas no metal carcomido
enquanto observo
bares de beira de estrada, puteiros, paradas de caminhões

há um cheiro brusco entre fresca poeira
urina antiga
diesel
gasolina

tambores transbordando de óleo queimado
num solo miserável e estéril
onde teimosos nascem dentes de leão selvagens

e som do universo ecoando nesta estrada

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

a fome de Jó

Edson Bueno de Camargo

estratosféricos aludem
planisférios azuis
da janela deste andar
panelas, lagos e pingos

planetários de furos no teto
seus passos cintilam estrelas
quando ouço um samba antigo
o som é tão velho que parece sair das paredes

cigarros acessos
atormentam o tempo
incensos de fumaça branca
o papel e o fumo
os anseios e as ânsias no banheiro
e o vaticínio no espelho batom

era vermelho
e a lua branqueava metade do céu
enquanto mariposas se postavam ao largo das lâmpadas

a fome de Jó
sua doença
no bolso da bermuda dez reais e cinco cents
alguns florins em Amsterdã
comprarão todo esquecimento necessário à esta noite

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

grãos de peso zero

Edson Bueno de Camargo

o livro vermelho
solidão sobre a mesa
(quanto tempo?)

a poeira secular
denuncia o medo
que espreita

rosas brancas ofertadas
o velho cínico ainda cora
em suas confissões de quase adolescente
lúbrico espera resposta que não encontra
fabular dá menos trabalho que a verdade
e tem sido um bom vinho

seu novo temor é ancestral
é o de entrar na ancestralidade

cortinas de ódio são urdidas
de outra feita o cosmos despencaria
se constitui em
grãos de peso zero em suspensão
iluminuras a fogo de tocha e velas de cera de abelha
o ouro queimado
o azul vegetal

domingo, 3 de setembro de 2006

íris incautas

Edson Bueno de Camargo

o vidro
este que carrega nos olhos
funciona como lacre
das mensagens interrompidas
dão pistas às borboletas amarelas
que introduzem a ilusão antes da morte

há sob a palha
agulhas como nunca houvera
destas que se movem em busca de íris incautas

a fumaça disforme dissolve
o ego e a latria
idólatras e iconoclastas jazem sob a mesma pedra fria
uns sem deuses outros sem significados
em meio ao caos que se forma nas manhãs de domingo

( o sol nasce nas forma de uma imensa cruz ansada )

trevos de sete folhas
brotam no jardim de hortelãs

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Unha de cachorra.

Edson Bueno de Camargo

para Lili Carabina

“ já não existo em alguns lugares”
Danilo Bueno


unha de cachorra
azulejo branco
sucumbe a trincas

embalagem vazia de mini cassete
abandonada sobre o móvel

mordida
ai!!

anta
tapir
anta
tapir

rato com fome
roendo o destino
rato com fome
roendo o disco do sol

anta tapir


tapete voador com traça
poeira de séculos escondida
traço trinca tapir

anta

ata

táta

tato

tapir


tudo esta contido em tudo.

Asa de xícara.

Edson Bueno de Camargo

1

orelha
de xícara asa
fino cristal porcelana

branca sobre a mesa
pequeno filete dourado

dourado o chá
o cheiro de erva doce
e bolo

perfume/manhã interrompido
chama e cigarro

2

cigarras cantam no jardim
sinfonia de cascas de arvore
bétulas e romãs
cinco anos sob a úmida terra
a pele antiga rompida/abandonada

nuvem de gafanhotos passam na janela

3

a terra/pedra cozinha no cadinho
metal incandescente e líquido
lavada com água tridestilada
a asa de corvo
alma luz polarizada

negro bloco de ébano
flor incrustada em pedra basáltica
gárgulas lanças de ferro/terra

fornos ardentes eternos
fogo contínuo
por mil anos queimando
almas e enxofre



4

água/ácido/sulfonados
destila nos beiros
água sulfúrica
sob chão de tábuas
pranchões lisos
chinelos de dedo pisam suaves

operários sem medo
percorrem alameda sem luz

5

por fim acordar assustado
para se perceber
ainda dentro do pesadelo

mosquito
zumbindo a noite
picando dentro da orelha

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

PRÊMIO OFF FLIP DIVULGA VENCEDORES

PRÊMIO OFF FLIP DIVULGA VENCEDORES


Estão definidos os seis vencedores do I Prêmio OFF FLIP de Literatura. O Inscreveram-se quase 200 autores de todas as regiões do país e também do exterior, estando representados 15 estados brasileiros. O gênero escolhido este ano foi poesia e os textos versaram sobre o tema: TERRA. O Prêmio será anual e conta com o apoio da Secretaria de Turismo e Cultura de Paraty.

Os poemas inscritos na categoria nacional foram avaliados por escritores de expressão no cenário literário brasileiro: Braulio Tavares (RJ), Fausto Fawcett (RJ) e Micheliny Verunschk (SP). Os inscritos na categoria local foram avaliados por cinco pessoas de destaque no contexto artístico-cultural de Paraty: Diuner Mello, Irma Zambrotti, Maria José Rameck, Maritza Bonn e Zezito Freire.

Para Ovídio Poli Junior, diretor da programação literária da OFF FLIP 2006, o prêmio nasce como importante referência no meio literário em virtude da representatividade da comissão julgadora e da grande visibilidade que a FLIP e a OFF FLIP oferecem:

“Em 2007 o gênero será conto e temos a intenção de estender as inscrições aos países lusófonos e a autores de qualquer nacionalidade que escrevam em língua portuguesa. É importante que o prêmio se consolide junto à comunidade lusófona. Amplia-se a abrangência do prêmio e abrem-se caminhos para que mais autores tenham oportunidade de expor o seu trabalho em um encontro internacional dedicado à literatura como é a FLIP e como este ano passou a ser também a OFF FLIP, que teve entre seus convidados dois escritores estrangeiros - Faïza Guène e Uzodinma Iweala, este último também convidado da FLIP. Outros três escritores convidados pela FLIP também estiveram na programação da OFF FLIP 2006: Alberto da Costa e Silva (membro da ABL), André Laurentino e Marcelino Freire (vencedor do Prêmio Jabuti deste ano na categoria conto)”, afirmou.

Os três poemas vencedores em cada categoria estão reproduzidos logo abaixo e serão publicados em uma antologia comemorativa aos 40 anos da Editora Nova Fronteira. Os três autores premiados na categoria nacional foram contemplados com estadia gratuita em Paraty entre 9 e 13 de agosto e os dez poemas finalistas foram expostos na sede da OFF FLIP durante o evento. A classificação final foi divulgada no dia 12 de agosto no Villas de Paraty Pousada e o primeiro colocado em cada categoria recebeu um prêmio surpresa durante a cerimônia de premiação - uma caixa com 40 livros da “Coleção 40 clássicos”, editada pela Nova Fronteira. A Biblioteca Municipal Fabio Villaboim de Paraty também recebeu uma coleção completa. No dia 13 houve um almoço com os seis premiados no restaurante Ilha Rasa, situado na baía de Paraty.




OS 10 FINALISTAS DO I PRÊMIO OFF FLIP DE LITERATURA

FINALISTAS CATEGORIA NACIONAL




Nome do autor


Título do poema


Cidade


UF

1


Edson Bueno de Camargo


De um fragmento


Mauá


SP

2


Sérgio Bernardo


Ciclo


Nova Friburgo


RJ

3


José Carlos Mendes Brandão


Bueno Brandão, MG


Bauru


SP

4


Jorge Gonçalves de Oliveira Jr [Jorge de Barros]


Há rostos como se fossem calcanhares


Mauá


SP

5


Marcos Pamplona


A sombra na terra


Curitiba


PR

6


Luiz Carlos de Moura Azevedo


O tamanho das formigas


São Paulo


SP

7


Maria Eneida Soares Coaracy


Olho de ciclone


Brasília


DF

FINALISTAS CATEGORIA LOCAL




Nome do autor


Título do poema


Cidade


UF

1


Jacira Angélica Teixeira [Jacira Diniz]


Ciclo


Paraty


RJ

2


Jorge Adolfo da Silva Cypriano


Terra


Paraty


RJ

3


Marcos Irine


Cidade à toa


Paraty


SP





VENCEDORES CATEGORIA NACIONAL

Edson Bueno de Camargo nasceu em Santo André (SP) em 24 de julho de 1962 e sempre morou em Mauá (SP). Publicou O mapa do abismo e outros poemas (Edições Tigre Azul/FAC Mauá, 2006), Poemas do Século Passado - 1982-2000 (edição de autor, 2002) e Cortinas, com poesias suas e de Cecília A. Bedeschi (1981). Participou da antologia “As cidades cantam o Tamanduateí que passa” (editada pela Prefeitura do Município de Mauá) e também da coletânea Poesia Só Poesia (Editora Novas Letras). Junto com escritores e amigos da extinta Oficina Aberta da Palavra, grupo de Mauá-SP, edita o fanzine "Taba de Corumbê". Participa das oficinas da Escola Livre de Literatura de Santo André.

José Carlos Mendes Brandão nasceu em Dois Córregos (SP) em 28 de janeiro de 1947. Licenciou-se em Letras Vernáculas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Sagrado Coração em Bauru (SP), cidade onde reside atualmente. Publicou quatro livros de poesia: O emparedado (1975), Exílio (1983), Presença da morte (1991); Poemas de amor (1999). Recebeu vários prêmios literários – como o “José Ermírio de Moraes” (promovido pelo Pen Centre de São Paulo) para melhor livro de poesia publicado em 1983-1984 e o da V Bienal Nestlé de Literatura Brasileira em 1991. Em 2000 recebeu o 1º lugar no Concurso Nacional de Literatura “Cidade de Belo Horizonte” (romance inédito). Tem inéditos três livros de poesia, um romance e um livro de contos.

Sérgio Bernardo nasceu no Rio de Janeiro em 30 de outubro de 1966. Jornalista e escritor, participa de academias de letras e associações culturais. Iniciou sua atividade literária em 1984. Recebeu prêmios no exterior (Portugal e Argentina) e no Brasil, como o Helena Kolody de Poesia e o Paulo Leminski de Contos. Tem textos publicados em antologias, jornais, revistas literárias e sites em vários países (Brasil, Portugal, Espanha e Suécia). Em Nova Friburgo (RJ), cidade onde mora, assina as colunas "Letra Livre" no jornal A Voz da Serra e "Expresso 2222" no jornal Alternativa. Colabora também nos jornais Folha do Catete (Rio de Janeiro) e Novo Tempo (Saquarema). Publicou em 2005 o livro Caverna dos signos (poemas e textos em prosa), patrocinado pela Secretaria de Cultura de Nova Friburgo.




VENCEDORES CATEGORIA LOCAL

Jacira Diniz nasceu em São Paulo e mora em Paraty há cerca de três anos. Escreve poesias esporadicamente e tem predileção em criar e contar histórias infanto-juvenis. Além disso, gosta de pintura. Agradece o incentivo de Gil Jorge, que também é poeta e a inseriu no mundo dos livros. Considera que a iniciativa da OFF FLIP em criar o Prêmio OFF FLIP de Literatura abre caminhos para que autores locais e de todo o Brasil mostrem seu trabalho literário. E isso justamente na semana em que as ruas da cidade são tomadas pela literatura.

Jorge Adolfo da Silva Cypriano é carioca e mora em Paraty desde 1983. Tem textos e poemas publicados no Jornal de Paraty e participou de várias antologias editadas no Rio de Janeiro pela Editora Clarear. Participou do Cabaré Literário na OFF FLIP 2005, realizado no Teatro Espaço, tendo sido um dos autores premiados. Um dos fundadores da APAE em Paraty, trabalha como técnico reabilitador e é pioneiro neste tipo de atendimento na cidade. Foi um dos participantes da FLEC – Festa Literária Escolar do CIEP, encontro entre escritores e estudantes realizado em Paraty em 2005.

Marcos Irine nasceu em Anápolis (GO) e vive em Paraty desde 2003. É cenógrafo e artista plástico. Em São Paulo trabalhou na Cenarium, especializando-se em cenografia para teatro e televisão e trabalhando com grandes nomes da dramaturgia brasileira. Colaborou na montagem cenográfica das peças “Além da linha d’água”, dirigida por Ivaldo Bertazo, e “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, dirigida por J. C. Cerrone e baseada na obra de José Saramago. Realizou em 2002 sua primeira exposição: “Urbana”, mostra de arte contemporânea em que mostrou também sua habilidade de poeta. Essa mostra lhe rendeu dois prêmios e duas obras suas integram o acervo cultural do estado de São Paulo, estando expostas no museu do Parlamento Paulista no Palácio 9 de Julho.




Depoimentos sobre o Prêmio OFF FLIP de Literatura

“Um bom autor nunca escreve pensando em qualquer premiação. Escreve porque a obra assim o determina, porque a obra assim o exige. Não há, no momento de criação, qualquer ruído que não seja aquele das palavras que exigem o real. Entretanto, há algo de bem-vindo na instituição de um prêmio literário, que é a oportunidade de que um ou mais leitores descubram um poema, um texto em prosa ou mais, um autor por trás do escrito. Desse modo, por essa qualidade de desvelamento, saúdo a OFF FLIP pela instituição e primeira edição de seu prêmio literário, assim como todos os autores que se inscreveram. Encontrei poemas surpreendentes inclusive entre os que não foram classificados. Será uma alegria encontrá-los nas próximas páginas”.
Micheliny Verunschk – integrante da comissão julgadora nacional do I Prêmio OFF FLIP de Literatura.

“Acho que criação do Prêmio OFF FLIP de Literatura vem fortalecer o outro extremo de uma escala importante, que vai dos autores mais bem-sucedidos até os principiantes. Digo "bem-sucedidos" em vez de "ricos e famosos" porque creio que o sucesso, na Literatura, é encontrar leitores atentos e dispostos ao diálogo incessante com as nossas obras. O Prêmio pode dar, principalmente a autores jovens ou ainda não-publicados, a sensação de que por fim este diálogo está acontecendo. Não devemos supervalorizar a premiação em si, até porque se fosse outro o júri, ou outros os concorrentes, talvez o "nosso" poema tivesse outra sorte. Encontrar leitores, no entanto, faz parte dos acasos da vida, e uma das funções da poesia é garantir que nunca se abolirá o Acaso”.
Braulio Tavares – integrante da comissão julgadora nacional do I Prêmio OFF FLIP de Literatura.

“A criação do Prêmio vem estimular a participação de talentos literários nacionais e locais. Considero admirável a iniciativa do Prêmio OFF FLIP - que, acima de tudo, funciona como um elo entre o muitas vezes distante ou mesmo inatingível universo do mercado editorial e o mundo algumas vezes pequeno e marginalizado a que ficam restritos alguns escritores por razões e dificuldades diversas. Através do Prêmio e no contexto de confraternização do evento, ampliam-se as oportunidades de integração e visibilidade desses talentos, alguns ainda desconhecidos, junto ao meio literário”.
Marília van Boekel Cheola – assessora de imprensa da OFF FLIP 2006

“Sinto-me feliz por ter apostado na idéia do Prêmio OFF FLIP de Literatura e privilegiada por ter sido a catalisadora da concretização deste importante projeto, de Ovídio Poli Junior, que também é escritor e apresenta um programa a ser desenvolvido em longo prazo, rico em desdobramentos. A partir dele, a OFF passa a cumprir melhor o seu papel de evento literário. E com o apoio da Prefeitura Municipal de Paraty, abraçando a responsabilidade pela realização da OFF – que, afinal, representa a participação da cidade na FLIP -, o Prêmio OFF FLIP tem tudo para amadurecer e se tornar permanente.”
Lia Capovilla – coordenadora da OFF FLIP 2006




OS POEMAS VENCEDORES



de um fragmento

1_

de um fragmento de osso produzir a agulha
para costurar as palavras no céu da boca
e com cuidado arrancar as estrelas
que insistem em ficar entre os dentes

desfiar o lóbulo da orelha
com estilhaços de vidro
e urdir uma escuta refinada com aço cirúrgico e ouro

2_

descobrir que a palavra desejo
não se agrega com pouco barro
e produzir o estrondo secular
das pernas traseiras dos grilos

colocar dois dedos na vagina
úmida e quente
e testar a temperatura das fogueiras
que queimaram o dom e o prazer do ser feminino

que ser homem é carregar a aspiração
de sempre retornar a úteros escuros
descer as mais profundas fendas e cavernas
e que morrer é se vestir de terra
para que uma mãe telúrica venha nos afagar os cabelos

3_

olha como choram os meninos apartados
como colam os dedos e arrancam a pele sem meditação
que arranham o couro do peito
feridos de tanto sal e sol

e retalham o horizonte com tesouras sensatas
e puxam fio a fio produzindo um novelo
recosendo o céu com agulhas de ossos humanos

Edson Bueno de Camargo
(Mauá – SP)


Fonte: http://www.paraty.com/offflip2006/index2.htm

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Anespirais.

Edson Bueno de Camargo

espirais cobrem meu corpo
despencam helicoidais
ideogramas/nanquim/pincéis
tatuagens
não breves sinais

rufar de tambores
febre cerebral/enxaquecas
furor
humor e tumor
dores fatais

não sei quanto tempo
sentado na praça
contando cachaça
bebendo desgraça

sem você
sou vazio e sem cenho
criança sem colo da mãe

me lembro quando amar
não doía
pérola na língua
vermelho carmim

agora carrego um olhar flutuante
choro lendo hai-kais

chuva sobre bambuais

tensão de garoa
uma lata vazia flutua no ar

um dia ouvi alguém que esqueci
sussurrou

em japonês
amor
se diz – ai –

Espinhos/arames.

Edson Bueno de Camargo

1

haviam
tantos/todos
daqueles meninos
com luzes nos olhos

flores de laranjeiras
espinhos/arames farpados

muitos não tinham
para onde ir

outros menos pudicos
eram ali mesmo

era incenso
mirra e mel
carnaval/canavial

outros não

2

tudo
imaculadamente limpo
impiedosamente branco

outro arame
das cercas
cercanias anunciadas

água e sangue
tinto o linho/cânhamo/algodão

cheiro de álcool e éter

3

cheiro de terra
úmida
urina

balõezinhos
outrora noite
luzes de inverno

segunda-feira, 31 de julho de 2006

Três Atos.

Edson Bueno de Camargo




I


a fábrica
numa tarde
imensa
tijolos vermelhos

jaziam quarenta ventos
em postes iluminados
(vaga-lumes?)

trouxe-lhe um buquê de rosas
vermelhas
(na verdade era uma só)

falaram todas

um anel de uma pedra
a aliança se guardou

louças brancas no jantar


II


olha

embotado
(de sangue?)
o chão da fábrica

labirinto
de ladrilhos gastos e sujos

brinca
com os dentes expostos
encanamentos sobre a parede
qual vegetação

onde estão os brincos de ouro
o ouro das jaquetas nos dentes
ouro outro que luzia os seus olhos
teias de aranha
poeira secular
goteiras no velho telhado
a fábrica vazia
assim vazio o meu corpo
tal qual copas
no baralho aberto

o último suspiro
supera

retábulos
rótulas
ritos

cruzes que se atracam
nuvem no céu escuro

dê - nos
o que não tem
a paz


III


a secura de teus olhos
não me olham
porque entre as pernas
tens um diamante
(rubi?)

eu preciso lançar-me em braços
quebrar todos os protocolos
mesas e cadeiras

dar-me ao duro corpo
“um copo de cólera”

dar-me ao mesmo duro dia
o nome de um dia

a semana passa
devastada de seus dias

balanço a cabeça

Nemo nunca se encontrou
mesmo o duro golpe
um gole de vinho

já te encontrei
outros dias
o gozo antecede
o medo

já te tive
como mulher tantas e outras vezes

sempre parece a primeira
sempre é tímido o corpo
sempre a minha senhora

dulcemente
envolver meu rosto
com seus cabelos

em espanhol seriam
sus pelos

domingo, 30 de julho de 2006

o enxofre que cobre os dentes

Edson Bueno de Camargo


limpar o enxofre
que cobre
os dentes e a língua

lavar a boca
os lábios
com a água abundante

descobrir o rosto
da mortalha de linho
ressuscitar feito Lázaro
todos os dias

:-

afiar
a prata
que preenchem
os dentes

para o corte preciso
que precisam
os dentes

lavar o enxofre
que cobre
os dentes

todos os dias
lavar o corpo
com a água abundante
recobrir com a mortalha de linho

para ressuscitar como Lázaro
na manhã seguinte

:-

colher um lírio branco
do novo jardim
se conformar como Salomão
de nunca poder se vestir assim

sexta-feira, 28 de julho de 2006

“para belum”

Edson Bueno de Camargo

“se vis pacem, para belum”
máxima militar romana

a cova se mede a palmo
7 (sete) no plano das coisas precisas

o leite se entorna no branco
como branco é corpo do olho
(onde minúsculas veias
parecem a bacia de um rio)

como é branco o topo das nuvens
e das altas montanhas
carregam água além de segredos
carregam a memória do gelo
não é leite apesar de ter cor

quando busco
(também em mim)
a poesia
esqueço a rima, a calma e o clima
pressinto no ar o dilúvio

pedras no chão precipitado
granizo da barrigas das nuvens
quando entorna do branco no negro
derrama a chuva e o sagrado
segreda o tempo e a cor

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Tatuei as letras.

Edson Bueno de Camargo

podia ser
uma única letra
o justaposto
e o princípio

estampei a tinta, aço e sangue
na altura das costas
bem aqui
no côncavo
sobre a omoplata
profundamente
quando não era mais ser

haviam
neste esféricos
de vidro soprado
as flores do século
do outro hemisfério

tatuei então
as letras de seu nome
nas pontas dos meus dedos
para que
no toque do sexo
te reescrevesse

costurei para dentro
o umbigo
para sem a marca
não ser mais nascido

(me desculpe a Mãe)

apaguei a letra de meu nome
e tornei a ser paria
entre os vivos

(me desculpe o Pai)

cabiam nestes hemisféricos
cálices de carmim transparente
álcool negado
às garrafas esféricas
de azul água feito turmalina

domingo, 23 de julho de 2006

asas

Edson Bueno de Camargo

pássaros mortos
possuem asas
mas não voam

outra ordem
os mantém
ao solo
não voam

grades de aço
são como a morte
abreviada
espera(m)

os muros e as roseiras
me acolhem

pedra de granito
não são verdes
se tornam
com o tempo
lhe roendo a alma

as goteiras
nas gárgulas do telhado
indicam a chuva
que não sinto

asas mortas
já não possuem pássaros
só penar
as penas
apenas

aforismos

Edson Bueno de Camargo

o chumbo
pingando lento
gota a gota
a recolher

uma colher
adicionada
sal do metal

observar no cadinho
rara transmutação

descansar no vazio
opaco
de uma noite sem lua

recolher toda chuva
num copo de alpaca

galhos de carvalho
se dobram
para criar a resistência

novas moedas
brilham moendas
de vidro sal

cal de fundição
o piso úmido
a lama breu
amalgamada a dedos pés

os corvos aludem
aos sinos da catedral
retalhos de pedra
vergam a assinatura do obreiro

há um sinal calado
retido na memória líquida
dos aforismos

domingo, 16 de julho de 2006

primeira carta

Edson Bueno de Camargo


minha primeira carta suicida, dirigi palavras para eu mesmo. embora tivesse firme determinação, sabia que no decorrer do tempo me faltaria a coragem de ir até o fim

os dias passaram invernos, as minhocas produziram húmus sob a terra, pus a termo idéias que não sobreviveram

minha segunda carta suicida, nem cheguei a terminar, num rompante de embriaguez, quebrei uma garrafa de um fino vinho, para cortar os pulsos com os cacos. A visão do vinho derramado antecipou o sangue, esvaecendo novamente o velho pensamento

guardei duas cartas no sótão do pensamento, vivi a inércia dos dias de das noites. Veio um tempo onde não eram possíveis mais cartas

quando senti a hóstia do pó
sob a língua
sangrava-me o nariz
feito beata e santa

bacias e pratos
recebiam goteiras
como relógio de água
neste
contava o intervalo
entre as chuvas
ratos corriam escadas

os cabelos brancos
caíram
vislumbrando a careca de crânio

a primavera
me encontrava nu
com um terço de madeira nas mãos
(T.S. Eliot ria em seu cruel abril)

não havia mais o conforto do vinho
não se deitariam mulheres com tão obscena criatura

minha terceira carta suicida
não encontrou quem a lesse

quinta-feira, 13 de julho de 2006

bibliotecas do inferno

Edson Bueno de Camargo

Sempre imaginei que livros queimados em praça pública em manifestações nazistas, livros queimados em fogueiras de autos de fé, livros triturados e amalgamados em novo papel higiênico, se transportavam para as bibliotecas do inferno. Os destruidores da Biblioteca de Alexandria, trazidos ali originalmente para cuidar dos volumes desta, catalogavam e cuidavam deste precioso acervo. Depois, bibliotecários sádicos, maus poetas e beletristas, passaram a cumprir ali seu castigo eterno. Mais tarde ainda censores papais e de insipientes ditaduras completaram os cargos remanescentes.

Demônios são criaturas que tem o saber como uma de sua fomes,
a ignorância dos homens aguça mais os seus apetites.

ratos devoravam pergaminhos
como queima agora
o azeite desta lâmpada

Xeque Ahmed Yassin
cumprimenta seus convidados
com seu sorriso senil

(vi o sorriso do demônio
quando devorava crianças
com lambidas de fogo)

no dia de sua morte
uma jovem
preparara seu chá
antes de lavar seus pés

a velhice
não traz confortos
Xeque Ahmed Yassin
lembra
de sua mocidade

esta noite
além de almas jovens
imoladas no fogo
o velho morrerá na porta da mesquita

segunda-feira, 10 de julho de 2006

a agulha

Edson Bueno de Camargo

a agulha
puxa a linha
junta carne com a carne
e o sangue com o sangue

segue-se uma onda
de calor e frio
o suor corre na testa
para formar uma gota
que corre o espaço vazio
entre o chão e a testa
(da nova agulha)

o frio quebra o gelo
um iceberg num copo
e um pouco de scoth

o toque do aço
abriga
carinho a carvão

corre por dentro do tecido
cose músculo e nervo

o espanto
não cabe
em uma sala branca
e anticéptica
(é preciso sair e fumar um cigarro)
( o último do maço)

escuta a dor
subindo do chão de ladrilhos
exuda agulhas pelo braço
rompe a pele frágil da barriga
(apenas uma menina)

empapa em sangue a camisa
(obra demoníaca ou milagre)

a agulha é do aço
mais puro
ponta de irídio
cura, do carvão e do cal

terça-feira, 4 de julho de 2006

tragam as maçanetas

Edson Bueno de Camargo

tragam as maçanetas e os gonzos das portas
arranquem os pregos das janelas e portas
os ferrolhos dos armários
amontoem o bronze e o ferro em frente a porta de minha casa

a forja já muito está sendo preparada
alimentada a suor e carvão

na casa de minha bem amada
fui colher umas lágrimas (e margaridas brancas)
num embolo de cristal

havia um peixe servido à mesa
como o ventre amarelo e aberto
que se destacava entre as pratas

mandem buscar mais água
o pequeno regato já não dá mais conta
das sedes

o braseiro consome e consome
carretas de carvão de pedra entopem a estrada

da casa da bem amada
vieram as pedras para esta escada
uma tonelada de jade
do verde esculpido e puro transparente

ainda não era nascido o Sol
quando começaram novamente os martelos e as bigornas
bem cedo
a hulha queimando vermelho de uma estrela
sob as colunas de fumaça negra

este fogo
devora quimeras natimortas e recém nascidas
neste poema prosaico e sem sentido

guarda os filhos numa gaveta

Edson Bueno de Camargo

todas as tardes, guarda os filhos numa gaveta, como quem guarda os filhos em uma gaveta, todo seu carinho de mãe para o retrato,

a de ter sobrado
amor para outro homem
mas como encontrá-lo
em um mar de pernas e braços

o risco do céu se esmaece, todo o contorno em rosa e sangue,

a lágrima
coletada com lenços de papel

a noite
vê dormir os filhos do retrato
as vezes a mais velha teima acordada
e dorme em seus braços
assim que a abraça

todas as manhãs ao chegar ao trabalho, tira os filhos da gaveta, como quem tira os filhos da gaveta e observa o retrato com todo seu carinho de mãe

quarta-feira, 28 de junho de 2006

enoc

Edson Bueno de Camargo

1_

preso a guelra do peixe
onde o azul é mais lento
esforço-me para respirar
tanto fundo como turvo
toda água dos pulmões

será a memória
que não se desapega
quem nos atraiçoa
tentar respirar líquido
quando tudo que nos resta é ar

2_

a fauna de minha narina esquerda
morre a todo amanhecer
quando se avermelha o ferro
e borbulha a água
e os velhos se vestem de luto
tragam a dor
e cospem no chão

para me escarnecer

3_

reconheço ainda mais este meu erro
um jorro de paixão impoluta
todo o pecado de um lençol

4_

Eros e Tânatos
são irmão de sangue
compartilham o mesmo pai
um dia
quando menos se espera
um matará o outro
afogados no lago do jardim
(narcisos, observam com certo receio)

neste dia se servirá um banquete
quando aos pés dos convivas
se servirá a minha carne

5_

Caim matou em Abel
aquilo que mais amara
não suportou ter de ter ciúmes de seu Deus
(depois fundou a civilização
a cidade de nome de seu filho)

também não O tenho suportado
assim como
Lúcifer traiu Deus por ciúmes
traiu Judas
a Cristo

sempre por amor
se matou e se deixou matar
e assim será por séculos e séculos

6_

que vale desengonçado
tenho por ver
em minha frente

morrerei mais um pouco hoje
mais do que ontem
o resto será por amanhã

a voz de teus filhos
nunca será a tua voz
pássaros que deixam o ninho
o fazem para não mais voltar

7_

as trombetas que
derrubaram as muralhas de Jericó
agora soam em meus ouvidos

hoje visto os fiapos
daqueles panos que me cobriram o corpo
corvos voam em círculos
por meu novo jardim

segunda-feira, 26 de junho de 2006

“London Bridge”

Edson Bueno de Camargo


restaram os fósseis
da ilusão do paraíso
livros no canto da sala
pérolas presas em pérgulas

clowns assustando crianças
nas esquinas
de uma Londres sombria
(assisti tudo pela vidraça
embaçada de fuligem carvão)

sobraram os fósforos
do incêndio na torre
a ponte agoniza
tijolos carbonizados

touros de chifres ensangüentados
em ruas de São Firmin
(Hemingway lamenta ainda os sinos que dobram)
um peregrino desfia contas e vieiras
Santiago terá de esperar mais uns anos

o toco do último cigarro
pigarro de nicotina
(esta neblina dá para se cortar com uma faca)

na torre a troca da guarda
sobre o Tamisa
acendem-se as luzes de popa
o fog se espessa
da passarela encoberta no Alto da Serra
se ouvem sirenes de barcos sob a ponte


“London Bridge falling down, falling down, falling down...”

domingo, 18 de junho de 2006

copos abandonados

Edson Bueno de Camargo

andar pela casa vazia
em outra noite com areia nos olhos
e grilos nos ouvidos
se fazer de sonâmbulo
no tropeço no escuro

copos abandonados sobre a mesa
poeira sobre os livros

arrepio ao olhar para o escuro
sabe-se
no canto obscuro
as aranhas tecendo em linho
com teia, destino e vítimas
para que o usemos como mortalha

dormir na cama sozinho
depois do tempo remoto
andar sobre o vidro moído
de verde e ressentimento
é como alugar o corpo
e viver a ausência
acordar de sobressalto
suando e sem memória
com
o uivo dos lobos
que circunda a casa

esta, que sem você
passa a ser meu eterno pesadelo

segunda-feira, 12 de junho de 2006

ao cair os restos

Edson Bueno de Camargo
_

ao cair os restos da tarde
em trapos de bandeira
espalma a fina poeira
recolhe-os na palma aberta

contrários entre si são os jogos
auto-sedução e comiseração
perdidos em auto flagelo

os dados atirados ao acaso
ricocheteiam no tampo da mesa
observo bolas pretas
sulcadas em velho marfim
(amarelo e com micro-trincas)
se confundem ao buscar
o pano verde e horizonte

não há amigos
quem são os que se vislumbram
nos outros cômodos
escondidos que estão
nas frinchas do assoalho
no smog da noite e cigarros

repleto de olhos tristes
ao mesmo tempo vingativos
neblinas acusadoras

a esses
servimos adagas e garfos
forma de peixe e cabos de ágatas azuis
sobre baixelas de prata e gelo
(o gelo fino dos trópicos)

_

as cartas se abrir
e sem resposta
sussurram arengas antigas
(guardadas num baú
ainda sob a cama)

_

tenho vivido como que morto todos os dias
ressuscito a fórceps todas a manhãs
remorro de novo ao escurecer

não há gozo sobre a glória efêmera
não o menor prazer sem conseqüências
remorsos com pontas de diamantes

eu que tenho todas as respostas
procuro perguntas aos forasteiros
e monges mendicantes de pés feridos

folheio um novo livro
o Oráculo Pessoal
de Baltazar Gracián

o prudente é invisível
aos olhos de todo o Mal

sexta-feira, 9 de junho de 2006

vermelho vivo

Edson Bueno de Camargo

plantar lanças de ferro
em um vaso de jardim
argila torna em metal
brota em terra fértil

roseiras-arame farpados
espinhos-barbatana de tubarão

seara de chumbo-sangue
frutos de vidro-cor
do verde ao vermelho vivo

imaginária

Edson Bueno de Camargo

lapela de casaco
o brilho do broche
berloques e
dragonas pretas e cinzas
o frio europeu daquela noite

o menino corria
atrás de uma bola
(imaginária)
um gomo de cada cor
giravam o tempo todo

(ali estava ela novamente)
não é mais menina
agora mulher
puxa a filha pela mão
severa
(com sua feminilidade)
(negada)


cheiro de alfazema, cloro
e formol
gaze e algodão
curar feridas
(que ainda)
teimam em não cicatrizar

terça-feira, 6 de junho de 2006

anti-chama

Edson Bueno de Camargo

velas queimam
sem emitir luz
crepita a anti-chama
gerando a escuridão

o olho que tudo vê
o ouvido que a tudo escuta
olvidam cegos
não refletem em espelhos

uma lupa azul
que omite a vogal “a”
coaduna
as letras
testamento ainda não escrito
o evangelho oculto da vergonha

na mesinha da cabeceira
um jarro de alças minúsculas
um número de telefone
analgésicos e runas sagradas
sobre tábua de carvalho

fechadura

Edson Bueno de Camargo

espia
pelo buraco da fechadura
um vermelho coração
espetado em agulha de tricô

a caixa de bordados de Alice
tem vida própria
agulha e linhas

uma gota de lágrima
converte o mesmo estupor

pingo de sangue
no ladrilho
ramais
quadrados de branco
do quase amarelo da memória

recordações em sépia
longas tardes de inverno
te esperaram em cada esquina
te agarram pelo baço
a cada gole insípido

a Rainha de Copas tem um lugar para sua cabeça

sábado, 3 de junho de 2006

um grilo passeia

Edson Bueno de Camargo

um grilo passeia numa folha
acompanha
um olho em cada esquina

um retângulo dourado
requadra toda cidade

onde Deus fez um ninho
ilumina pela rosácea
da catedral

cigarrinhas comem o pólen
dos abetos distantes da praça
pinheiros seculares
expatriados sem consulta

mendigos jogam dados
apostando cacarecos e raras moedas

o Jovem Deus assiste a tudo
da janela lateral do altar
o outro cristo
tresloucado
atravessa
e a multidão aos gritos

grilos pretos
respondendo com canções em seus violinos
as cigarras cantam
até romper a praça sem sentido

o vagabundo fuma cigarros
o ganhos dos dados

terça-feira, 30 de maio de 2006

óbolo

Edson Bueno de Camargo

um peixe grotesco
ronda no quintal
(minha mãe imagina como espantá-lo)

a espada de Salomão
não expede mais justiça
o fio está cego
navalha abandonada na gaveta
cujo fio oxidado
guarda vestígios de sangue

(suicidas na banheira
os pulsos jorrando)

o ouro comestível
acrescenta com farinha

(os períodos longos
só chegarão na quinta)

o azeite jorra do sampo
mas não há mais leite e mel
os dentes do moinho
trituram elos do destino

com o ouro e a prata
tecem cordas para meu funeral

sobre a língua
um óbolo como pílula
ouro por açúcar

domingo, 28 de maio de 2006

inventar.

Edson Bueno de Camargo

1_

inventar uma linguagem antiga
rabisco após rabisco
muros pichados no centro velho
poemas de porta de banheiro
paredes da prisão

inventariar sobre papel
garatujas
com tinta preta e vermelha
copistas e estetas
de trágico destino

2_

um boneco
de pano
costurado na barriga
sementes de girassol e cabelo humano
suturas
grandes agulhas
ponto de fechar sacos de amiagem

a chama da vela
cera escura de abelha
pavio de roupas esfarrapadas
(o linho
invólucro dos mortos)

3_

triste
ter de costurar a própria roupa
de dormir eterno

Pena.

Edson Bueno de Camargo

a pena
que abate a bico
o pássaro
pesa do óleo
do dia negro

escorre das nuvens
em cascata invisível

cardos selvagens
recobrem as encostas
de vegetação
quase nua

a Serra da Estrela
convida ao aconchego
de lareiras
e leitura de poetas mortos

quarta-feira, 24 de maio de 2006

Meu neto ano 1 - 24/05/2006

Aniversário de meu neto.

Hoje dia 24 de maio de 2006 meu netinho faz seu primeiro aniversário.

decifrar o conteúdo

Edson Bueno de Camargo


1_

se pudesse
decifrar o conteúdo
das gavetas

como cartomante cega
que tateia os sulcos das mãos
lendo o futuro em braile

do fruto selvagem
que se desidrata
(como marcador do tempo)
e denuncia

sementes dispersas
carregadas de presságio
(e possibilidades interrompidas)


2_

acreditar na promessa
que segreda cada lume
que o vento não trouxe

ainda pode cortar
a navalha enferrujada
que caiu no ostracismo e anacronismo

brincos de cigana
(nunca usados)
papeis amarelos
com sua escrita roxa

moedas de rincões desconhecidos
países que não constam mais
em compêndios e mapas

as fronteiras foram (inter)rompidas
pelas esteiras dos tanques
e tiranos perturbadores

(outros pela geopolítica do ódio
e do racismo)
3 _

haverão (sempre)
cartas que
nunca serão lidas

números de tômbola
e naipes que se destacaram dos baralhos

pedras de mica
e turmalinas sem nenhum valor

4_

sempre sinto que é meu
o lugar do enforcado

carrego o ás de espadas
o gládio negro do destino
cravado em pelo

5_

sempre haverá margaridas selvagens
e dentes de leão

domingo, 21 de maio de 2006

suas cores

Edson Bueno de Camargo

o escombro nu
de muros arcaicos
cicatriz
em forma de caliça e tijolos mostrando o seu vermelho

quasi-encobrem
sorriso delicado de resina
imita porcelana
(da china)

o joio passa por trigo
enquanto isso eu terno
depois lança o inverno
e cobre com ternura e branco a morte

o que entende de delicadezas
o duro cimento
que separa asfalto e terra

berços de terra fofa
regados a lágrima farta
flores que ontem eram vivas
(suas cores)

escolho para mim a cesta de espinhos
pois tuas rosas não mais sorriem

vasos bonsai

Edson Bueno de Camargo

cultivar culpas
em vasos bonsai
iquebanas quebrados
a arenga triste e monótona
da casa vizinha
e as portas da rua abertas

os mantras se perdem
entre os fios dos postes
e aves rotineiras

quinta-feira, 18 de maio de 2006

o Enforcado

Edson Bueno de Camargo

se sair o Enforcado
me recuo a lê-lo
mesmo que em certa medida
funcionar como libertação

mil vezes me caiu a morte
outras centena a coroa de fogo
que porta a Imperatriz

o futuro lento e poderoso
cheira a pó de ossos
moídos num moinho velho e carcomido
com suas pás movidas pelo tempo

conheço o velhinho insano
que alimenta o fogo
como a palha seca
e cabelo humano

que mistura o cal
em argila mole
molda peça a peça
e cozinha em fogo preguiçoso

ai de quem comer
deste pão feito de mortos
será condenado a escrever poesia

terça-feira, 16 de maio de 2006

cronômetro de parede

Edson Bueno de Camargo


“Nomeei-vos três metamorfoses do espírito:
como o espírito tornou-se camelo
e o camelo leão e o leão, por fim criança.
Assim falou Zaratrusta”

Friedrich W. Nietzsche.


o fósforo do riso
o medo compasso
medido na retícula
relógio com dois ponteiros de segundo
cronômetro de parede
um correndo atrás do outro

a desenvoltura do ânimo
respiro da terra
acumula cristais de prata e crisântemos

sopro o outro vidro
àquele sem fronteiras exatas
a agulha que rabisca na pele
arabescos sem sentido
garatujas de idioma imaginável

a letra que partiu minha língua
se inflou de vermelho
os dentes numa bandeja de aço
revela o frio em minha espinha
o temor em cada esquina
aqui dentro do quarto
sentado em minha poltrona de leitura

arrancar as escamas do dragão
com uma pinça de selos
observar com uma lupa de vidro azul
detalhes e filigranas
o mapa da retina do leão

domingo, 14 de maio de 2006

usos do garfo e faca

Edson Bueno de Camargo

pedra areia cimento

os usos do garfo e faca à mesa
não será mais opcional
durante a segunda metade do século XXI

teremos diplomas de civilidade
sopraremos as velas do bolo à tarde
desfiaremos rosários de contas indianas
crucificaremos um cristo todas às manhãs
que morrerá ao meio dia
e ressuscitará às 17h00 em ponto
para sentar à mesa do chá

haverá toalhas brancas
para que possa verter o sangue
e nos redimir de nossos pecados

à noite tomados de horror e fúria
o açoitaremos quase á morte
para o crucificarmos no novo dia

dois lumes à mão

Edson Bueno de Camargo

o homem carrega dois lumes à mão
a mulher a luz dentro da boca

e eu esqueço do sexo sangrando
quando do retorno da dor
algo quebrou aqui dentro de mim

minha mãe me deu
mais do que a dádiva
uma pedra negra e o cheiro de escuro
a pérola pingando azeite
na lamparina que não acende

mais tarde
o suor de minha filha
no parto de meu neto
tornou ainda sagrada minha dor
de existir além de minha vida
de ser mais à frente de meu ser

(se já morri
porque ando entre os vivos?)

porquanto o nervo exposto
do dente que nunca arranquei
a morte a mim destinada
mais um vez a perdi

sexta-feira, 12 de maio de 2006

rebenta no sal

Edson Bueno de Camargo

1_

trem sempre nos carrega
para o caminho ao contrário
a sensação úmida
do pensamento do aço
que canta no contato dos trilhos

(carece de entender
não ter pego a condução errada)

a composição em desordem
papeis e lixos diversos
memória neblina
cadáveres de cigarros

um símbolo de infinito
grafitado no teto
o alfa e o Omega
uma praga para o fim do mundo

2_

do trem para o chão
serpentes azuladas
correndo pela cordilheira de ossos atravessados

ossatura de artelhos
astrágalos da sorte
cortados em francos


3_

árvores de chifres de demônios
fêmures que sustentam o céu

trapos velhos
pendurados no arame farpado

4_

velho barco
de quilhas abertas
rebenta no sal

quarta-feira, 10 de maio de 2006

o último girassol de tua boca

Edson Bueno de Camargo

o duro cristal de tua íris
reflete meu desejo
que em gozo ardente
parte em febre
abraçado ao último girassol de tua boca
que espremem com vento
as cabeças brancas dos dentes de leão
explodem em nuvens

urge que façamos o sexo
aqui e no agora sempre
porque o negro odor da santidade
nos persegue em nossos medos
nos excluem de nosso prazer
como se esgoto da civilização fosse o orgasmo
não poluir o mundo de filhos

se fosse sempre o orgasmo não se construiriam muros
nem catedrais
nem presídios

olhe meu amor
as naves para Vênus
partiram anteontem
e hoje se sujo de amora
no bico do teu seio
e o único Deus que respeito agora
é a mulher
a cabeça em teu ventre é oração
o teu sexo úmido são meus cânones

porque a urgência de poesia
chegou bem tarde
e aqueles que amam a justiça
serão bem aventurados

onde cabe o silêncio

Edson Bueno de Camargo

onde cabe o silêncio nesta sala??
seu lustre de cristais sujos
de fumaça preenchido
dos pés ao topo da cabeça
todos os cigarros já foram fumados
o que faz este palito de fósforo em minha mão?

sapatos de chumbo
hoje
pesarão mais amanhã
o olho seco
o anel
nesta roda de samba para a eternidade

passarão por aqui as mães e suas filhas
concebidas em festas inúteis
ao desamparo e ainda falta de orgasmo

recolher o álcool no dia seguinte
na contagem de garrafas vazias
pelo catador de papel

lá dentro o barulho continua
com um compasso quebrado e tilintar de ossos secos

sábado, 6 de maio de 2006

cavalos não voam

Edson Bueno de Camargo

1_

se cavalos não voam
dromedários não dormem em cabanas de madeira
ursos cobrem o nariz com a pata
quando caçam porque é preto

a pele da foca
serve de cobertor e abrigo ao esquimó
mas é preciso que esteja não viva

assim é o desejo do homem
não vivo quando vestido
com as costuras aparecendo do avesso

assim é o desejo da mulher
vestida quando não viva
sempre do avesso


2_

os dentes
parafusados à mesa
brocam o vinco
por onde escorre o vinho desta madrugada

da dobra do couro de búfalo
(lento) substituí a úlcera
úmida vagina


3_

comprimidos
triangulares e roxos
supedâneo de esquecimento
placebo para as certezas cínicas

afiada navalha

Edson Bueno de Camargo

uma concha
afiada navalha

lamina calcária e corte

(o beijo de madrepérola)

medusas
de água morna
verde salgado
corais em muros subaquáticos

com cem olhos de peixe
da dor de submeter-se

baleias e cetáceos vários
quebraram barreiras
duras e caras


é possível fazer sexo
usando apenas palavras?

segunda-feira, 1 de maio de 2006

todos los hombres son Angeles

Edson Bueno de Camargo


a estrela rompe
a rota
e ilumina distraída
o quintal desta minha casa

entre os corredores
uma luz fantasmagórica
que tem medo de espelhos
e janelas

carece de porta
esse cômodo que contém água
e cerâmica colorida

a velha perra dormita
o sonho de velhas calçadas
caminha sonora e late

a garagem abandonada aos livros
móveis velhos e licores empoeirados

mira madre
todos los hombres
son Angeles
pero sí
sin asas

domingo, 30 de abril de 2006

ossos meus

Edson Bueno de Camargo


dependurados ossos meus
brincos grotescos de grito
salgueiros sem folhas
manto vegetal e estéril
comer inumano
inumados

imóvel cantoria de gemas preciosas
arados de ametistas
rasgam o ventre apodrecido
e fértil aos germes
sintoma de medos e calafrios

fantasmas analógicos
percorrem análogas alamedas
que vazias
consultam o vozeio de ausências

surge o novo cântico
o primeiro passo outra vez

meus ossos balançam com o vento
a corda podre ameaça romper

sábado, 29 de abril de 2006

Gitanes mentolados

Edson Bueno de Camargo


um velho cigano
coxo da esquerda
atravessa a rua
seus olhos
são velhos suíços embotados relógios
esses que faíscam
sobre o gato preto
com uma fita azul
e um anzol fisgado no focinho
o peixe ronrona dentro do gato
o garfo atirado na fúria

em frente para a viela
um café parisiense
o casal bebe lembranças do Reno
em copos azuis
semi embotados

se acreditar
o espírito ainda habita a garrafa
fumando Gitanes mentolados

sexta-feira, 28 de abril de 2006

desta forma

Edson Bueno de Camargo

1_
desta forma
banho-me em morfinas, águas - esquecimentos,
e finas pétalas
para que o espírito e a alma
durmam separados
e enovelados em ninhos ofídios

o campo do sonho
foi arado e plantado com ossos
dos renascidos de cinzas e brasas dormidas
dos borralhos dos remorsos remexidas pela manhã

2_
e se tu
podes despender de teu brilho
cerâmica em brasa
como derramas ouro em minha fronte

cerâmica de cal de ossos
de oleiros invisíveis
de úteros terrosos

terça-feira, 25 de abril de 2006

linguagem dos olhos

Edson Bueno de Camargo


permanecer com os meus pés na terra
até criarem raízes
permanecer em silêncio
sobre um colo feminino
até os olhos falarem
e com a linguagem dos olhos
podar todas asas

aludir o sentido da água parada
e criar o movimento onde não é mais possível
obter a aspereza de um tufo de plumas
e com ela lixar a superfície da córnea
até obter o mais branco exato

tomar por ordem a entropia
e saudar os rinocerontes que voam no inverno
com cal do meio fio
pedra por pedra
até que só reste o cinzel

beijar uma boca do caos
e entornar todas as preces vazias
fazer um rosário com a ponta dos dedos


e fiar com os pelos da púbis
uma roupa de ficar escondido

segunda-feira, 24 de abril de 2006

de um fragmento

Edson Bueno de Camargo

1_

de um fragmento de osso produzir a agulha
para costurar as palavras no céu da boca
e com cuidado arrancar as estrelas
que insistem em ficar entre os dentes

desfiar o lóbulo da orelha
com estilhaços de vidro
e urdir uma escuta refinada com aço cirúrgico e ouro

2_

descobrir que a palavra desejo
não se agrega com pouco barro
e produzir o estrondo secular
das pernas traseiras dos grilos

colocar dois dedos na vagina
úmida e quente
e testar a temperatura das fogueiras
que queimaram o dom e o prazer do ser feminino

que ser homem é carregar a aspiração
de sempre retornar a úteros escuros
descer as mais profundas fendas e cavernas
e que morrer é se vestir de terra
para que uma mãe telúrica venha nos afagar os cabelos

3_

olha como choram os meninos apartados
como colam os dedos e arrancam a pele sem meditação
que arranham o couro do peito
feridos de tanto sal e sol

e retalham o horizonte com tesouras sensatas
e puxam fio a fio produzindo um novelo
recozendo o céu com agulhas de ossos humanos

quinta-feira, 20 de abril de 2006

DE "OS MISTÉRIOS DO OFÍCIO"


Anna Akhmátova
AHHA AXMATOBA


"De que servem exércitos de canções
e o encanto das elegias sentimentais?
Para mim, na poesia, tudo tem de ser desmesurado,
e não do jeito como todo mundo faz.
Se vocês soubessem de que lixeira
saem, desavergonhados, os versos,
como dente-de-leão que brota ao pé da cerca,
como a bardana ou o cogumelo.
Um grito que vem do coração, o cheiro fresco de alcatrão,
o bolor oculto na parede...
E, de repente, a poesia soa, calorosa, terna,
Para a minha e tua alegria."

com luz a boca

Edson Bueno de Camargo


quando a folha pássaro
cortou os cordames
que intuíam o fluxo do fogo
sob às águas

senti que queima a pele nova
e pelos eriçados
como pergaminho envelhecido e seco
a antiga jaz sob a sombra
de carvalhos e florestas

liquefazem os sentidos
ácido cristalino sob a íris
quando cristais de cálcio se precipitam
carvão atmosférico
dor intermitente

há algo de divino
quando sorris com luz a boca
quando dormis vestida de pelos
sob lençol que não te esconde nada

e eu que observo
como fauno que deseja uma Deusa

sexta-feira, 14 de abril de 2006

Oroboros



sem fim
sem chegar
todos os caminhos me estão postos
e não tenho pés para nenhum

Foto de Cecília Camargo



Esta foto é parte do trabalho de minha companheira Cecília, bloguei mais para se perceber que a poesia pode ser captada não só com a palavra, mas também com a lente de uma máquina.

os cabelos de minha amada

Edson Bueno de Camargo

os cabelos de minha amada
me evolvem feito nuvem de pelos
cortina sedosa e térmica
roubando à noite
o privilégio do frio em meu corpo

& veste profana que me cobre
quando me dispo

os cabelos de minha amada
em noites de lua cheia
quando varrem o meu rosto
feito garoa fina
se torcem em finos fios

& forma corda e viola
para que a canção que soa no vento
embale depois o meu sono

os cabelos de minha amada
novelo de Ariadne
me conduzem pela noite escura
pelos labirintos que me afligem

& depois de forma calma e terna
me reconduzem para meus sonhos

esse cabelos de minha amada
tem cheiro e erva e flores
é como retorno a casa
terraço a contemplar deserto
animal de fruto liberto
os cabelos de minha amada

terça-feira, 11 de abril de 2006

o cal

Edson Bueno de Camargo

mais uma vez
o cal
cingindo de branco a parede de meu destino

o branco de ilhas gregas ao cair da tarde
moinhos de sal ao sol a pino
pás de vento braços monstros
neve que nunca verei

anônimo
autômato andando entre gentes

o carvão, a pena, a tecla, o medo
recusa a plataforma de celulose alcalina
ou na tela uma virtualidade tão enganosa
um cursor intermitente
acusando a impaciência do texto

domingo, 9 de abril de 2006

1969

já que o tempo não existe

Edson Bueno de Camargo

o sigilo dos lábios
líquido essência
linfa que corre nas veias
sangue arterial represado
ameaça romper os vasos
jorrar pela boca

os dentes
os nervos
verve verbo
puído e bolorento

redoma de cristal úmido e perene
retorna deste outro como sangue
que o tempo de ter medo terminou
e a morte não me parece tão ruim

se acaso a rima te persegue
pensa no outro que agora pouco
perdeu de vista o paraíso

toma deste fruto galho e preguiçoso
o repasto dos deuses não tem gosto
a eternidade não passa de um engodo
já que o tempo não existe

uma lagarta de fogo

Edson Bueno de Camargo


afagar os pelos
de uma lagarta de fogo
se afastar da dor e da febre

escutar os lamentos da pele
o eriçamento dos pelos
o veneno dos olhos

romper para dentro
a casca crisálida
libertar a libélula
fazer o sexo das efêmeras

afastar dos pelos da entrada
provar com um beijo
o amargo do orgasmo

abraçar com desejo a morte
disputar o abismo
dançar sobre espadas

isso me promete a carta do Enforcado
receber a visita do errante
demandar ao enigma da Esfinge
o seu nascimento nobre

quem terá condescendência de ser seu próprio carrasco?
quem diante do júri implorará clemência?
quem diante das grades de sua própria demência?

porque do arame fardado
tecido de suas vestes
lamentará todo ocorrido
para de novo cair em soberba

e provar da colher de chumbo derretido sobre a língua
e ter o apêndice de seu sexo arrancado
numa orgia de abelhas assassinas dos zangões que as defloram