sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

quatro sementes

Edson Bueno de Camargo

quatro sementes de maçã
sobre toalha colorida

o menino brinca inadvertido
sem que se aperceba
com quatro possibilidades de árvore

somado o menino
mais uma

gen

Edson Bueno de Camargo

nutre o gen e germe
de coisas pequenas e quinquilharias
agradas amigos e ancestrais
pedras de lugares diversos
flores secas
e gemas de facetas brilhantes e de pouco valor
ouro de mercador
moedas de países que nunca conheceremos

o sonho devora vasos e vasos de água
aqui é lugar algum

- andarilho
lava teus pés
e pousa esta noite

asas de vidro

Edson Bueno de Camargo

anjo de asas de vidro
escorrem pelas tuas costas
líquidas
escamas de peixe
perfume de pequenas margaridas
secando sobre lápides invisíveis

odor de tardes vermelhas
faz lembrar lavanda verdadeira
caídas e caladas flores roxas
em escadas de jade
lisas como o talco pedra moído e branco
no vento que move teus cabelos

pequenas salamandra amarelas
que incendeiam os olhos sonolentos
a devorar o ferro de pregos velhos em madeira podre
os ferrolhos da porta que range
sem o lubrificante óleo de baleias assassinadas na praia
o som coagulado em ferrugem fluida
que em outros momentos e lugares
chamaríamos sangue

que negro sonda a noite de corações latentes
que vibram com a música patente das colheres com pouca prata
contendo sal

abram os ouvidos do metal
para que soem sinos de dentes brancos
que brilham como as primeiras gotas ao Sol
água corrente e fresca
dos cântaros de barro fresco
alisados com seixos rolados em espuma rala
que trincam ao rápido esfriamento
(revelando-nos segredos)
o cálcio que doam os ossos da terra
quando moinhos de pás serpentes
roubam a força dos ventos
e transformam e transbordam
grão em graça

primeira chuva

Edson Bueno de Camargo

1

no caminho
uma rosa caída obre a calçada
galho arrancado á força
e deportada para o cimento

membro decepado de uma roseira
e com tal violência
que a rosa não se apercebe calçada
tem memória de roseira
e formato de pedra

2

uma escada para o nada
o vazio entre lugar algum e coisa nenhuma
nunca foi usada
de tal modo que o desmonte de horizontes
não dependerá mais só do Sol

3

há uma mecânica de devorar tempo
desde o princípio de tudo
se cultuava no caos que nos amava tanto
e nos espera
quer que voltemos ao seu ventre

4

á primeira chuva
a rosa já se embebera de morte
não era mais nada
um galho seco

comer maçã

Edson Bueno de Camargo

tenho o estranho hábito
de comer maçã olhando o horizonte
esta insondável natureza
de degustar nuvens com os olhos
em insolência aristocrática

tudo o que envolve
além do sabor da fruta
se impregna de gotas de chuva
e azul do céu

ou em tarde frias e cinzas
em que o paladar se torna fumaça
e toda a neblina do cheiro
devolve tudo como leve incenso

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

prata

Edson Bueno de Camargo

cravar palavras em espelhos
faca aguda de prata
que reflete minha face

dissolver em múltiplas faces
como se estilhaçasse
a própria verdade em tantos reflexos
que devorassem a luz
com tantos crispares

(há razões que desconhecemos,
e pelas quais ainda assim lamentamos)

beber os filamentos de vidro
delicadamente misturados à água
como que com isso bebêssemos seu nome
e depois nos untássemos com terra líquida
originária de terremotos

migram narcisos em vôo ambíguo
os ventos que carregam flores
não choram nas margens do rio
transportam a casa do sol nascente
nos sonhos do menino que viaja nas cordas da guitarra

lembranças são como a brisa no quarto
carregam o pó dos ossos velhos

amargo

Edson Bueno de Camargo

afinar-se com a palavra amargo
e todo o significado que esta traz
o medo inconstante
da água em movimento
trazido com a estação das chuvas
vento breve que arrepia a espinha
em tardes claras

o inverno que insiste em dar a sua voz
mesmo já começando a primavera

as flores caídas sobre o asfalto úmido
dão à retina
todo o amarelo possível
há acúmulos nos meios-fios
onde caminha a água

a noite obstrui como a vida
toda a luz que é
precisa para o ver

esperamos todos os anos
as tardes mais longas
deixando para trás
as noites de escuro não trespassável

pedra

Edson Bueno de Camargo

dá-me uma rocha
e seus quatro cantos
voltados para a origem dos ventos
dobrando-se até que sobre uma rosa

dá-me ás pás do moinho
e movimento para transformar
grão em trigo
em alquimia de transformar e ser transformada
ai também se dá a roda
a grande mó e seu ruidoso trabalho
ai também se dá a rocha
esculpida a roda na pedra

dá-me um ramo de trigo
e suas bagas que chamam o ouro
e este ouro não se acumula
consumido mata a fome
e este é o único que vale de fato

dá-me uma roda
e esta movimenta o carro
e seus raios de fogo
cintilando o ouro do circular
uma roda de carro não é nada
sem o vazio que preenche seu meio
para que passe o eixo do carro

a roda
do vento
do moinho
do carro
só serão pelo conhecimento do homem
e do seu dom de transformar
a pedra em movimento