terça-feira, 13 de maio de 2008

a mesa

Edson Bueno de Camargo

a mesa para Platão
teria de ser real e tangível
quatro pernas postas no chão
um tampo de sólida madeira
que não viessem com simulacros
poema, pintura ou representação
que todos seriam banidos da “Republica”

Platão odiava os poetas que
queriam atribuir à palavra mesa
outros mecanismos
e mais propriedades de atribuição
que por falta de senso carregassem com mais sentido o léxico

os poetas por seu turno
enlouqueceram as propriedades do vocábulo mesa
dando-lhe características inadequadas à palavra
portanto afastando o objeto mesa
de sua função primordial de suportar o peso da verdade

os poetas foram salvos por Aristóteles
que em sua Poética
resgatou-os do limbo em que Platão os condenara
permitindo que se sentassem finalmente à mesa
e participassem do “Banquete”

( onde dado a ser um fausto grego
que comiam deitados em divãs
servidos por escravos
que são coisa mas pensam
provavelmente não haviam mesas nem cadeiras)

a balança

Edson Bueno de Camargo


a balança onde se mede minha cabeça
pende ora para um lado, ora para outro
tem por fiel um fio de teu cabelo
carvões em brasa servem de peso
porque quando incandescentes
buscam para si a cor do ouro

há uma brasa viva
em teu olho esquerdo
e água abundante em tua face
língua que corta
como espada da justiça de Salomão

teus cabelos chicotes de aço
retalham a pele de papiro úmido
devoro feridas abertas
com a avidez de noviço
e as regurgito em cicatrizes orgulhosas

sonho com balanças que pesam peixe na praça
com escamas que emulam o cristal mais liso
e olhos vítreos e fixos em profundo segredo
costuro pedras de peixe e círios apagados

é para a morte que o mar me convida
vagas trazem o grito do pesadelo
estouram com estrondo em meio a escuridão
vasto cemitério molhado
ondas com nomes de túmulos
sepultura que sonega os ossos dos condenados

teu olho direito me consola e perdoa
tem ali um fogo lento e caridoso
oferece teu seio direito para descanso de cabeça
ali confortável espero a sentença

sábado, 3 de maio de 2008

betume

Edson Bueno de Camargo

tua voz de farpas agudas
e morte suave
conduz meus olhos
à fusão de betume e incêndios

o vestido de eras incertas
e insetos coletados no tempo
é o âmbar de lágrimas da pedra
caminhos cruzados em trilhos de ferro
e a água que cai lenta nas madrugadas

cabelos brancos e gotículas de leite
cabelos molhados e quentes
a íris e fragmentos microscópios de quartzo

lábio que lava o mel e o fel
o amargor da dor e do silêncio
as línguas lambidas de fogo
e outros lábios
o vermelho aparente da excitação e combustão

cães correm nas ruas
e corvos posam nas telhas mais altas
olhos de glóbulos de cristal de ler o futuro
vidro, água e espuma

os podres vãos da ponte
ameaçam a desabar
a cidade não suporta a sua velha idade
se expulsa de si

anjos renegados também abençoam

constelações

Edson Bueno de Camargo

onde dragões bebem água
podem descansar suas escamas
construir escadas de jade para lugar algum
observam abelhas
pousadas em flores de dente-de-leão

professores profetas maltrapilhos
professam a fé nos sons infinitesimais
o cântico quântico de super-novas morrendo

lembra
quando grãos de poeira suspensos à luz do Sol
filtrados em frestas e orifícios
criando fachos de luz
simulavam constelações em suspensão