sábado, 28 de junho de 2008

estigmas

Edson Bueno de Camargo

uma ave de cor negra pari o céu
reflete nos olhos a asa escura
como a noite que habita no oco do espaço
as penas de aço impuro

dos corpos de homens manufaturados em sangue
do fogo que vem desde à escuridão do caos
dos lumes espectrais da criação
de como estrelas negras devoram a luz
do horror que preenche o nada
dos brincos de cigarra vivas em banho de ouro
da língua inflamada dos homens convertidos em abutres

incendeia seus corpos em frágeis estigmas
a fome do corpo enturva a fome da mente
as feridas que se abrem em flores cítricas
milagres santificadas e delírios
em brancas imaculadas em crescentes fractais
de uma matemática orgânica e antecessora
de círculos que se explodem para dentro do âmago

carvão mineral

Edson Bueno de Camargo

usina de crivos na carne
onde cravos vermelhos enflorescem
os fragmentos de respiro da terra
a fusão entre o fogo e o cisma

o claro espaço entre átomos
estes distantes quando estrelas
e nossas retinas a capturar esta luz tão velha
o discreto sussurro da matéria
fundida a frio e no escuro

reine o homem sobre a sua cabeça
e a mulher sobre a cabeça do homem
e um colado à planta do pé do outro
as coroas de espinhos e farpas
as palavras em fogo e água

há um vento incrustado às entranhas
um pedaço de carvão mineral e purificador
que derrame letras sobre o papel em branco
o abismo derradeiro e verídico
o espelho de almas pelo olho do outro
sem nunca saber se fitar

terça-feira, 17 de junho de 2008

hecatombes

Edson Bueno de Camargo


como podes dizer de mergulhar no vazio
quando o abismo fala mais doce hoje
e as pétalas de ontem nos convidam à escuridão
jazem no chão de outono
em silêncio pós hecatombes nucleares

possibilidades de língua de dragão
e dentes de outro elemento plúmbeo
quando o argonauta planta guerreiros armados
e ciclones na boca aberta

todo homem quer ser amado
embalado novamente em colo quente
absorver-se em um seio imenso e reconfortante
de branco papel e pergaminho
que envolve a dor de ser para sempre sozinho
no íntimo da alma desolada
quando lhe cortam o cordão e funciona a corda
triste ironia de fibras musculares e jorro de sangue

somos todos narcisos condenados
a observar nossos umbigos
cicatrizados na separação de nossa vontade
de resumir paraísos de conforto
(e nem sempre a todos de amabilidade)
quando mergulhados em água morna
e delicada penumbra
a espera de um mundo
que depois deserdados e desterrados
nunca de fato nos apropriamos

engano

Edson Bueno de Camargo

desova de libélulas
que se dá em aço esmaltado
pelo encanto que o brilho produz
emulando o calmo de um lago

cria chocada ao Sol escaldante
de onde nada nascerá vivo
gerações não se produzirão
de todos os que estão condenados à morte pelo engano

velocino

Edson Bueno de Camargo

tudo o que queria é ser uma parte (de ti que fosse)
enquanto tudo o que acontecia
eram brumas
águas dançantes
espetáculos pirotécnicos
e paradas circenses infindáveis
(aquele Parque em Paris era mais do que podia me legar;
da grama, passeios e promenades de infinito desejo)

as crianças bizarras sem membros adequados
(carregando o castigo de seus pais)
pés e pernas fora de lugar
usando asas de gato por abanos
deslizando sobre lagartas vivas e roncos de máquinas fumarentas

silvos de serpente nas copas das árvores
(que floresciam arames e flores de prata viva)
infantes e pássaros com penas de mesma cor
que alisavam o tempo todo
mostrando grande garbo
portando colares com dentes de crocodilo e roedores selvagens

a trompa do poente em arco-íris bifocal
confundindo matizes em prisma impreciso
cor de rosa e ciano misturados
utensílio inútil à esta altura da tarde
insetos de bronze tinindo signos
e flores retortas destilando o néctar que faltara aos deuses

fiei-me em teus cílios
quando me fiz pequeno (e ainda me faço)
grão que carrega a potestade
e toda sabedoria helenística clássica

pois todos os teus pelos preciso
do ouro de cada penugem invisível
de todos os arrepios que produzirem
para velocino que me abrigue