quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

de nossos olhos




Edson Bueno de Camargo


comemos as sementes
das árvores

e as árvores
comem as sementes
de nossos olhos

e assim tem se feito
com homens, árvores e raízes


geração após geração

chuva



Edson Bueno de Camargo

a manhã me escapa
feito bule e chuva
aparelho de chá completo na chuva
e goteiras intermináveis nas calhas
e gárgulas

é preciso falar
o poema
para está-lo

surdos



Edson Bueno de Camargo


ando a reler o Canto Geral de Neruda
junto com o jornal e o café da manhã
estou em busca
dos cristais
do poema já fossilizado

por vezes
certos gestos
nos deixam surdos

diante da muda
realidade da vida

viajores




Edson Bueno de Camargo


1
em meus sonhos
aparecem
aves agourentas

todos perfiladas
em penas negras
empoleiradas em arame farpado
e
trapos velhos ao vento

minhas penas
minhas asas


2
(o paraíso abre as portas
e ruflar de asas
e penas brancas)

3
os corvos pousam
no arame de cercas decadentes
mas ainda com farpas agudas
e mais perigosas

as chuvas torrenciais
começam


4
os viajores das estradas
buscam abrigo para seus carros
e máquinas fumarentas

5
pequenas serpentes cruzam
meu caminho

acordo
com gosto de vinho
na boca
do sonho

novos tempos

Ruínas da Cidade de Susa.  Capital do Império Persa século V a.C.


Edson Bueno de Camargo


tombaram
os mártires da cidade
há muito tempo
e não há flores
onde estão os campos dos heróis

o fogo sagrado se apagou
e a alma da cidade
não mais cintila

as casas são fantasmas vazios

(só o eco do silêncio
onde havia vida e alegria)

nas ruas
erram
medo e solidão

e os cães
agora selvagens
circulam em matilhas

são eles os senhores dos novos tempos

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

palavras da pedra


Edson Bueno de Camargo



para Nydia Bonetti

sê como pedra
para saber
os desígnios da pedra

pensar como o veio do granito
e sua alma de magma endurecido

falar as lentas
palavras da pedra
que carregam
mais de mil gerações humanas
em um cristal de basalto

círculo de sangue




Edson Bueno de Camargo


carrego a sede
de desertos
e a certeza perene
da repetição do verso
costurada
nos dentes

sou dos homens
que trazem
um círculo de sangue
na parte superior
da mão

e as palmas limpas
como areia de aluvião
das que repousam
o fundo das torrentes
depois de secas
as chuvas

como glaciares




Edson Bueno de Camargo


minha cidade
não tem
um desenho definido
e se dissolve em fumaça
e em neblina

ao longe
se entende
a barreira
de prédios altos

avançam lentos
como glaciares
em ronco surdo
a devorar
as casas baixas

Angels in the morning

Cemitério Santa Casa - Poa - RS - by Walter Rosa

Edson Bueno de Camargo


plantei meus mortos
nesta cidade
em esperança
que rebrotassem
como árvores

e os dedos que sangraram
regaram a terra seca
que bebia
cada gota espargida

recolhi as pedras
no campo de semeadura
e uma a uma
para alegrar os deuses
ergui caerns