quinta-feira, 13 de agosto de 2009

mapa do mundo

Edson Bueno de Camargo


tomar tijolo por tijolo

a palavra
constrói arcos
perfeitos em sua simetria

o barro cozido
se confunde com a terra e o fogo
é o âmago do planeta

nas linhas do corpo
a pele é um mapa do mundo

inertes

Edson Bueno de Camargo

ensinei à água
que corre
contra a gravidade
o alfabeto das coisas inertes

esta tão leve
que
a luz não a toca

fica em suspensão
gotas elétricas
que buscam
a luz das estrelas

sempre é dia
de se voltar para casa

beleza e alimento

Edson Bueno de Camargo


se lírio sorve
talo taça
a abelha
brinda

flores produzem
aos olhos desavisados
beleza e alimento

quando em verdade
estão a exporem seus sexos

incômodo

Edson Bueno de Camargo

a pérola
para a ostra
é incômodo
para o poeta
a palavra

do incômodo pois
se produz o belo

carvão mineral

Edson Bueno de Camargo

curo feridas cristalizadas
um fóssil da dor na rocha
de minha pele

carvão mineral
que porta a possibilidade
de brasa

cozinhar no cadinho
aço do brilho dos olhos
ferro e carbono

humano sedimento
ao lento do tempo
depositado

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

pele de calcanhar

Edson Bueno de Camargo

para a camarada Fátima Nunes Silva

quando criança no Cariri
amiga minha
tinha os pés no chão e no pó
o sol arrepiado no quengo
criança só se podia nas horas que sobravam

dia a dia
dedos solitários
e solidários às pedras
e seus carinhos
sertão de duros espinhos
uns na carne
outros na alma
(uns nunca se esquecem)

da cacimba a casa
pote sobre a cabeça
olhos em contrição ao céu
chuva não

ter uma sola sob os pés
que não fosse dura pele de calcanhar
(chinelas bem guardadas em casa)

só em dias de feira e igreja
nas raras festas em que se celebre
não se sabe o que de alegria
(deus de olho em tudo
sem fazer nada)

um par de sandálias de tira
(destas baratinhas
de borracha sintética)
com status de calçado de luxo
lavado até o fim do branco da palmilha

a linha funda do destino
cortava a epiderme e solado
(endurecia o couro e o espírito)

até às primeiras letras foi uma luta
rebeldia e silêncio da morte
para quem come pouco
nada é tão perto

demorou muito sapato

sal dolorido

Edson Bueno de Camargo

as velhas carpideiras
derramam um rio salgado
nos granitos abandonados da rua

olho de sal dolorido
difícil de digerir
vermelho e amargo

seis azulejos brancos da parede
solidão da ausência de cor
não pesam ainda o amarelo dos anos

o que espera
não pesa mais que o ar
silêncio sem destino

cortejo de flores murchas
coroa de brancas e amarelas
o que foi possível para agora
o que lhe cabe de sua sina

formigas mordem a terra
e escavam suas pequenas vidas
são suas casas também suas covas
aqui se operam seus ciclos

o homem se iguala ao inseto de seis patas
quanto mais perto está
do fim de sua jornada
sua roupa se torna mortalha


o outro mundo também é aqui

aquela tarde

Edson Bueno de Camargo

não havia flores na janela
nenhum verde conversava com aquela tarde

toda a terra agreste
como este gole de secura
como este galo que não canta
que tomava madeiras velhas
e cercas malcuidadas

o ar caminhava em grandes blocos
nenhum perdão para o calor
pedaço de ferro e ferrugem
ferramentas que perderam a função

junção de entroncamentos mudos
esqueletos de canos expostos
saudades de gotas na torneira aberta

cada dia que nasce
é de uma tristeza de ninho vazio
tão grande que abraça este ermo
de vidro esperando o corte

corpos exportados para a distância
cada vez mais longe
cada vez mais nunca