quarta-feira, 12 de agosto de 2009

pele de calcanhar

Edson Bueno de Camargo

para a camarada Fátima Nunes Silva

quando criança no Cariri
amiga minha
tinha os pés no chão e no pó
o sol arrepiado no quengo
criança só se podia nas horas que sobravam

dia a dia
dedos solitários
e solidários às pedras
e seus carinhos
sertão de duros espinhos
uns na carne
outros na alma
(uns nunca se esquecem)

da cacimba a casa
pote sobre a cabeça
olhos em contrição ao céu
chuva não

ter uma sola sob os pés
que não fosse dura pele de calcanhar
(chinelas bem guardadas em casa)

só em dias de feira e igreja
nas raras festas em que se celebre
não se sabe o que de alegria
(deus de olho em tudo
sem fazer nada)

um par de sandálias de tira
(destas baratinhas
de borracha sintética)
com status de calçado de luxo
lavado até o fim do branco da palmilha

a linha funda do destino
cortava a epiderme e solado
(endurecia o couro e o espírito)

até às primeiras letras foi uma luta
rebeldia e silêncio da morte
para quem come pouco
nada é tão perto

demorou muito sapato

Nenhum comentário: