terça-feira, 21 de novembro de 2006

brancos nas bordas

Edson Bueno de Camargo

o garfo aterrado

sugere brotações

metálico-orgânicas

seus dentes raízes a alunissar-se

além

plantações de garrafas verdes variegadas

em parreirais

e roseirais

brancos nas bordas

se rama

onda fluência

água cabelo quente

em doses homeopáticas

traçar planos de fuga

umbrais de terremoto

passos de dragão

e verter em cabeças de hidra

dentro de uma grande cratera

o vinho fóssil destes dias

fiandeiras.

Edson Bueno de Camargo


trezentas fiandeiras e suas rocas

fiam que fiam o rio em azul

esticam sua margem em veias nervuras

e cardam o fio de tecer o futuro

trezentas tecelãs e suas lançadeiras

tecem que tecem o horizonte

o azul vai se misturando ao ouro

e tramam o tecido de água e céu

trezentas costureiras e suas tesouras

cortam que cortam o pano azul

costuram o céu com linha e agulha

e para suas filhas cozem vestidos

trezentas meninas e suas brincadeiras

dançam que dançam em seus ornamentos

vergam trajes azuis que lhes acondicionam

e vestidas de água passeiam no ar

domingo, 12 de novembro de 2006

diamantes

Edson Bueno de Camargo

e se eu te perder (?)
nesta neblina opaca que é o medo
e insondável céu de diamantes

que me devorarão os olhos
broca do duro metal inquebrantável
e te devolverá a pele móvel dos lábios

antes fosse mudo e inexato
me ateasse fogo
ao te ferir
e assim mesmo
firo
e te embebes de tristeza

tenho receio de escusas
se estas se multiplicam miríades de estrelas
desculpas são como mentiras
não se prescindem umas das outras
e se multiplicam ao infinito

que vivo o médico e o monstro
o louco, o devasso, o santo
tenho uma carta com um nó
colada em minha testa
e a garganta com os sons do enforcado

suas lágrimas são ácido
e comem os meus pés e minhas mãos
melhor arrancar os olhos dos cavos glóbulos
a me sentir assim sozinho

sem tu me dispo de mim mesmo
e mergulho num vazio líquido e sem fundo

e tudo que quero sempre é seu colo e seu regaço
um abraço para dormir tranqüilo e morno

fel aveludado

Edson Bueno de Camargo

fico tentando
triturar meus dedos
neste ar rarefeito

enquanto teus olhos
evitam
minha crueldade

sei que o ódio não compensa
o veneno que destila
este fel aveludado

goteja em minha boca
e depois te beijo
sem piedade

gatos de porcelana

Edson Bueno de Camargo

gatos de porcelana
vãos, vasos e telhados chineses
uns vermelhos outros pretos

verão de 1968
calças curtas e cabelo a la fuzileiro naval
degraus vermelhos
cimento queimado e sempre-vivas
o velho caminhão verde

(alguns anos mais tarde
li o Livro Vermelho de Mao em espanhol
e me descobri comunista)

em trinta e oito anos a Terra mudou seu eixo
algumas vezes
e algumas verdades ficaram amanhecidas

terça-feira, 7 de novembro de 2006

analgésico

Edson Bueno de Camargo

qual analgésico
me recuso a doer
medicado
além do necessário
mendigo de solo pecado
salário de dor e do ódio

leviatãs de estrelas brancas na testa
abrigo de Jonas em fuga sorrateira
a(os) Deus(es)
nada se faz sem olhos

seda agora não branca das núpcias
lábios roxos e murchos
flores mortas e murchas
cravos de lapela
talismãs cujo sentido foi perdido

lamelares exoesqueletos fazem música
martelos não contém os ouvidos
lamentos não contém os olvidos
libélulas gigantes pré-históricas
ravinas de dentes afiados

rima indômita e nauseante
versos em indo-europeu arcaico
incompreensíveis até a língua que os fala

galo

Edson Bueno de Camargo

1_

o cálamo
serve-se a veia negra
sangue tinta
sangue água
água tinta no metal

2_

galos poemas
no topo da catedral
pedra palavra
palavra papel
pedra papel
e suas histórias ocultas
sangue pedra

3_

uma mão imensa
toca o céu em seu ponto oco
umbigo celeste
onde árvores devoram a chuva
comem os cavos intensos
da chuva pedra