Edson Bueno de Camargo
a cozinha
e os picumãs
da casa da madrinha de meu pai
dominavam a casa inteira
o fogão de lenha
queimava dia e noite
em culto profano e inconsciente a Héstia
a fumaça
enovelava o ambiente
sempre envolvidos em trevas entorpecidas
com fachos de luz
cruzando do vão das telhas às paredes
menino assustado
sentia a presença
de todas as mulheres daquela cozinha
que me falavam
na língua incompreensível dos espectros
acocorados no tempo
seus pitos
suas mezinhas
seus pés descalços
a madrinha de meu pai
tinha os cabelos cinza
de uma alquimista
que sabia do caldo da cana
ao poder doce do melaço
muitas vezes transmutada e transcendida
olhos brilhantes de santidade
a noite
meu medo infantil
confortava-se ao bruxulear
das lamparinas de querosene
no escuro
adivinhava a presença de meu tio
pela brasa do pito de palha
e a voz grave de meu pai
hoje
desta noite solitária
quarenta anos saltam para trás no tempo
ainda sou um menino tonto
livre como um cão na chuva a correr no pasto
2 comentários:
Edson, essas imagens me trazem doces lembranças, me fazem também voltar ao passado.
Abraços e um Feliz 2011 para você e Cecília.
A transcendência da poesia, sempre.
... mas você já sabia que eu iria gostar mais deste poema, com suas imagens da terra.
Para melhorar, no final, um toque de Manuel Bandeira - Onde estão todos eles? Dormindo, profundamente. Você não disse, mas não era preciso.
... e o menino continua.
Um grande abraço, Edson.
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