segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

inércia



Edson Bueno de Camargo


sonho com escadas em ruínas
e que estas se decaem a olhos vistos
escadas de terra e barro vermelho de minha infância
escoradas com madeira e estacas
descem morro abaixo
barrancos precários
a mercê da chuva
e do medo do tombo
e de andar pela enxurrada
e a chuva escorrendo pelos óculos
(embaçados)

sonho com muros azuis fechando a rua
e o impedimento de voltar ao passado
a rua de minha meninice
porque dentes de aço brilhante
já devoraram o que não existe

e o quintal de minha solidão absoluta
de onde nunca mais sai de mim mesmo
o sítio onde eu era único
e só aos olhos da chuva eu era possível
e o onanismo da auto-libido
não existe mais

e onde as bicas da água caiam
revelavam-se pedrinhas brilhantes
que um dia foram guardadas como tesouro
garimpeiro de sonhos perdidos
sonho com a estação antiga
e o trem que se vai
e junto comigo amigos também
perdidos
assistem ao comboio que vai embora

a passagem dos mortos me atormenta
suas vozes cada vez mais sonoras
e a descrença em tudo me atormenta
e a violência da paixão me abandona
e a ausência desta gera uma tortura
e que viver ainda
possa ser masoquismo
ou sadismo aos que me sobrevivem
ou uma vingança aos que não

e com inércia
a tudo respondo

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