domingo, 3 de janeiro de 2010

casa dos mortos





Edson Bueno de Camargo






lendo José Carlos Mendes Brandão


a pedra canta o hino dos mortos
e de minha tíbia
faz uma flauta

o poeta encantou os meus dedos
pendurei um osso na orelha

a poesia agora sussurra
como a chuva

lembranças baças

Edson Bueno de Camargo


e tudo que
trago
são esboços de infinitos

cadernos brancos
carregados de água
e o grafite fóssil da primeira palavra

na nespereira
as orquídeas falam
mais um ano se passou
e estamos a mais um passo do fim

agora que entornam lembranças baças
de maçãs verdes
e maços de sempre-vivas
ladeando degraus vermelhos

lembrar é morrer de novo
e contar com isso sempre

“a nostalgia é uma espécie de suicídio”
a inércia também

unhas de anzol

Edson Bueno de Camargo



sempre é
o primeiro passo

a lua cheia
arredondando o espaço da noite

sempre a gota de suor
suspensa no suspiro
o ar que volta
com tristeza dos pulmões
(e a plenitude de uma plêiade
dentro dos olhos)

o gato velho
com unhas de anzol
arranha o telhado
sobressaltando a aranha em solidão do escuro

a chama que é lembranças
ainda teima sob as brasas
ainda pode queimar

:

ardemos a pele e os pelos
e choramos pesadas lágrimas
que lavram o diamante de uma ausência
(a minha ausência)

:
um dia
meus olhos foram meus aliados
hoje me enganam

cisterna

Cisterna - El Jadida - Marrocos


Edson Bueno de Camargo


cisterna
construção de profundezas
e securas
(do fundo
o céu circula as bordas)

uivo de vento
e sua matilha de nuvens
mordidas pela velocidade
de um azul palpável

de turquesas e dentes escamas
plumário de serpentes aladas
escondidas em pirâmides
mergulhadas em selva tropical

primavera de grandes paredes de pó
terra pedindo as lágrimas dos deuses
ou sangue humano como paga

tudo dádiva

cortes selvagens

Edson Bueno de Camargo


carregar um cometa à boca
entre-dentes estrelas
e cortes selvagens na saliva

toda a palavra contém sangue
de dureza de diamantes negros
pedras profusas da dor

eis a tristeza de dias claros
com bilhas de água
logo à porta

(mata a sede dos) viajantes
percorrem às sombras silenciosas
da noite

hoje amanheci
com uma margarida
plantada no peito

suas raízes frágeis
se estendem por veias
e poças de coágulos

uma flor com o peso de um planeta
com pétalas rindo
como dentes ao sol

vento de gelo

Edson Bueno de Camargo


um relógio mostra as horas ao contrário
vento de gelo
percorre a espinha
(sombras secas)

rio de almas afogadas
e ouvidos de pedra-pomes
a recordar vulcões extintos
(mas ainda perigosos)

móbile de sonhos infantis
dourado e cinza de azul
que quebram-se em pedaços sonolentos
(pedras para a casa dos mortos)

atravessada por partículas cósmicas
morna manhã
de gramados eternos
onde nunca foi ou será primavera

sete palmos

Edson Bueno de Camargo

um cão ladrando
em noite de chão de pedras
desertos de cascalho e alcatrão
(cheiro de pó de tempo)
as narinas recordam
os muitos degraus

cova de sete palmos
medidos para longe da morte
das quatro patas da chuva
das árvores de frutos amargos
do silêncio branco e luminoso das tardes

vestir-se de manhã
com as armas de guerra
mortalha por mantilha da armadura

tomar a primeira refeição com cuidado
feito condenado à forca
gravata por corda
sapato por cadafalso

a linha que sustenta
a teia do mundo
periga romper junto ao dia
cair de abismos de sonhos
e não acordar

sábado, 2 de janeiro de 2010

grandezas

Edson Bueno de Camargo


uma gema
de clivo voltado à morte
traz em si
a construção de escalas musicais
que embalam o sono do caos

em cada nota
uma possibilidade de universo
de sóis recortados
por luz oblíqua
de dureza branca

a visão do canto do olho
no declinar de luas de sangue
música de grandezas infinitas
abismo congelado
onde o som morre em descanso