quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

placenta



Edson Bueno de Camargo


vento
desenha seu movimento na grama
uma mão invisível
acaricia os pelos de um gato imaginário
que se eriçam

a terra aparenta
ser um animal dócil
mas carrega as entranhas de felino e fera
a placenta da destruição espera

nos talos e espigas
se equilibram bicos de lacre
(aves clandestinas neste solo)
o macho e a fêmea
a ensinar a colheita a seus filhotes
juntos fazem a refeição
em espreita
batendo em revoada
até ao movimento do vento


2

neste canto do mundo
os pássaros vivem suas vidas
não são parte
das tragédias que os emolduram

este sinistro conjunto de prédios de calcário queimado
e esqueletos de ferro e aço
é uma casa da dor
onde se mordem as palavras
antes de alcançarem as línguas
todas as pústulas e dores
as partes finas do corpo
delicadamente cortadas
e extraídas

3

bebo o tropeço
dos insetos ao rés do chão
em sua marcha perene
que pode abolir o tempo

onde tudo é uma máquina de devoração


4

ai de nós que sabemos
de nossas dores
e dos dias de morrer
após os dias de viver
escritos no livro dos testemunhos

e do quanto nos recusamos a esta justa medida

5

agora é hora
de só observar
e aceitar a aragem
acariciar com suavidade
a grama


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