quinta-feira, 25 de março de 2010

tudo o que me pedes



Edson Bueno de Camargo


se tudo o que me pedes
é meu olho
ainda quente
sobre a palma rósea
desta mão de luas novas
(e gelo orgânico )


deixa ao menos
que veja o Sol se quebrando
sobre as costas azuis das montanhas
entre frestas rutilantes
das entranhas da luz

desde teus cílios
molhados pelo orvalho
a correr sob as pálpebras
de ágata leitosa

este majestoso fogo
em espectros de infra-vermelho
desta gigante agonizante em tua íris

ah! mãe dos deuses
(das mulheres de ventre de barro e lava ardente)
que me reste agora a escuridão
de antes de ter nascido
do mar salgado de tuas vestes

eis que voltamos sempre
ao lugar que em êxtase e dor
nos gerou

a luz para Fabrício Carpinejar.



Edson Bueno de Camargo



janelas engolem o sol por inteiro
e o golfam em forma de luz
para dentro da casa

há uma violência
no trespassar dos fótons pelo vidro
há uma dor sílica
destilada em fornos ardentes

o coração da luz
é deveras delicado
cristal indelével
que se rompe e se apaga

a qualquer momento
somos devolvidos à escuridão

teias de aranha



Edson Bueno de Camargo

1

o ar aroma de baunilha
a casa em descanso
como se a faina do dia
constituí-se de miúdas pedras

e em cada cristal
pétalas de flores
luz branca
que nos cobre
lençol de nuvens baixas
e murmúrios


2

pássaro envolto em gravidade
(que engana)
com pena de chumbo
e convertidas em falso ouro

não voa
não trina
apenas treme de frio em um pires
expulso dos ninhos

bica os amarelos do mundo
(a seus pés)
farelos de gente ausente
(em pânico)


3

tudo bem dependurado nas árvores
em anárquica harmonia
teias de aranha
de grande arco de tempo
vergados móbiles ao dobre do ar

no fio oculto da urdidura
cose nosso destino (às cegas)

a fome

 Traudi Ingrid Meurer



Edson Bueno de Camargo


recobrou o olho
e este tinha fome
a fome insaciável dos olhos

e o olho cobrou a fome
desde os tempos imemoriais da fome

o quanto dar de comer ao olho
se este não se sacia

quanto de velhas fotografias
tanto de livros amarelos
jornais dobrados até se tornarem quebradiços
cartas de amor não correspondido
e flores e frutos secos guardados em gavetas

quanto de moedas antigas
de quinquilharias


a fome voraz de papéis velhos
e dedos envelhecidos
óculos para miopia

de tantos e todos tempos e temperos
que calaram em renascimentos

e ai se destilou o dia
com a luz coada
de olhares furtivos pela janela
e seus vidros ensebados e turvos
cor que se esmaecia

copo americano



Edson Bueno de Camargo



café da manhã na Vila Maria

sobre o granito cinza
pequeno prato branco
pão na chapa
café com leite
em um copo americano
(destes canelados por fora
desenho clássico)

que faço aqui e agora
calor insuportável
momento sem sentido
observando este rosto envelhecido
do outro lado do balcão
em espelho turvo da padaria

não me reconheço

geografia perfeita para insetos

Edson Bueno de Camargo

a sombra
desta árvore
abriga uns silêncios
expectativa
e algo mais que não se distingue


linhas do tempo dos sonhos
já não se desenham
em sua casca


estas se fazem na calçada
suas irregularidades
geografia perfeita para insetos
contam histórias aos geomantes

timoneira de naufrágios

Edson Bueno de Camargo

lendo Daniel Mazza

o poeta
coleta ossos do verbo
para que se esclareça
o tempo e palavra

a morte fuma
cachimbo de marinheiro
a fumaça entre os dentes sem lábios

velha timoneira de naufrágios
ancorada em um cais seco
nas margens do Mar de Aral

terça-feira, 2 de março de 2010

galhos pendidos

Edson Bueno de Camargo


domingos chuvosos
são como o pé de azaléias de meu jardim
com flores rosas e molhadas
com os galhos pendidos
pela água nas folhas


o poema estava escondido
nas asas de um anjo vagabundo
enfim se materializou


penso que a chuva está em mim
pari o poema
e não me dei conta

no dia em que nasci

Edson Bueno de Camargo




chove e faz frio
(este ano se solve em água)

há um poema
em algum lugar desta casa

o tempo secou
(por breve instante)
e ainda não encontrei o poema que perdi ontem
(ou anteontem
ou no dia em que nasci)

a casa
(não sei se a nova
ou a antiga enterrada sob os alicerces desta)
sussurra estranhos presságios:

vou conversar com o vento lá fora

pele

Edson Bueno de Camargo


ando tão só
que nem a minha sombra me reconhece.

ando tão sombra
que nem a solidão se reconhece minha

reconheço tão sombra
que a solidão nem anda sobre minha pele

Bourbon Street



Edson Bueno de Camargo



o Mississipi
é o rio de minha aldeia.


Cecília

Edson Bueno de Camargo



em Pasargada
posso ter a mulher que quiser
na cama que escolher


e sempre te escolho

sono

Edson Bueno de Camargo



uma sombra
percorre meu sono

no sonho
esculpo horizontes com os olhos

horizonte



Edson Bueno de Camargo


o prédio
que cresce
na paisagem de minha janela

come aos poucos
o (meu) horizonte

porcelana arqueológica

Foto: Sarah Helena



Edson Bueno de Camargo



meninos velhos
auscultam peças de porcelana arqueológica
cacos de vidro verde
louça holandesa
e garrafas venezianas

se buscam entre as vértebras
da terra do quintal

estamos tristes esta tarde
ainda empoleirados no telhado
pequenos galos
tecedores de sol

único quartzo
carrega elétrons de vento solar

ao Sul e ao Norte
espera a aragem
que varrerá com suavidade este dia
a um esquecimento frio e com escamas

o tempo é um peixe
em ombro do poeta

teu colo



Edson Bueno de Camargo


livre
liso
e luzidio
esguio sob a luz da lua

teu colo
é cavalo árabe
nunca domado

sumi-ê


Edson Bueno de Camargo

desenhar bambus
por ofício
gomo por gomo
e folhas agudas

escamas da terra
serpente verde
que ganha o céu

assim como o gume da espada
o pincel corta a folha
com o poema

cego

Edson Bueno de Camargo


nasci do ovo
da morte
com o sangue
ainda escorrendo
pela ferida

nunca sai da margem
do rio
perdido em sua vertente

depois veio a luz

e fiquei cego
para toda escuridão