Edson Bueno de Camargo
corpo de tesoura
(de metal animal)
de corte regular
de linhas femininas girando ao eixo central
destas de coser carnes
sangue em pequenas pedras
a língua mergulhada em aço reluzente
doando ao ar todo o espelho
espectro de dias e horas
o livro que contém todos os nomes
que nas bordas trazem profecias
de vates infantis e incompletos
de bandeiras em frangalhos
as fotografias espalhadas no lençol
tudo em desalinho o quarto
a janela de vento e cortinas vivas
o recorte da vida
em meio a uma descoberta tétrica
a tentativa de racionalizar o medo
enquanto o vento dobrava as bananeiras
e o quintal se transferia ao poucos para o futuro
e depois o esquecimento
em uma máquina de devorar a si mesma
nunca mais houve um dia como aquele
e o gosto de menta doce e pedras nuas
calor morno subindo a espinha
fôlego parado em afogo
quase um útero por um segundo
lua de água azul
e sempre a mesma memória
(quando nasci não chorei
arrancaram-me da morte sem meu consentimento)
4 comentários:
Sua maneira de expressar e ilustrar o texto com palavras em forma de dominó, utilizando-se de vocábulos que nos remete as cenas dantescas do cotidiano de uma pessoa assustada, me fez lembrar do paraibano Augusto dos Anjos. Ele também costumava escrever através do simbolismo... Gostei, e penso que descobriu o caminho da sua temática literária, agora é seguir adiante confiante. Talento você tem com notável valor.
Há versos inesquecíveis aqui (a expressão tem sabor banal, Borges torna a ideia nobre escrevendo "memoráveis"):
"a tentativa de racionalizar o medo"
"nunca mais houve um dia como aquele"
e a estrofe inteira, notável;
"quando nasci não chorei"
esse emergir da morte, num mergulho na vida -
Há versos memoráveis aqui:
Abraços.
Agradeço os comentários, fazem a gente sair um pouco do marasmo. Apesar das possibilidades do blogue como difusão, nem sempre há um feed-back. o elogio do professor Dilson é um grande alento.
Quando ao José Carlos Brandão, sabia que há uma mútua admiração. Gosto muito de seus versos.
cara, ouvi amigos te elogiarem (josé geraldo neres, rubens zárate- que trabalharam comigo no ponto de cultura 'laboratório de poéticas'). depois de muito tempo, vi o link do seu blog no blog do neres e, por curiosidade, entrei aqui.
esse comentário é só pra afirmar o que essas figuras me disseram a teu respeito: um trabalho não só belo, mas admirável.
congratulations, man!
evoé!
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