segunda-feira, 21 de setembro de 2009

pedras nuas

Edson Bueno de Camargo

corpo de tesoura
(de metal animal)
de corte regular
de linhas femininas girando ao eixo central
destas de coser carnes
sangue em pequenas pedras
a língua mergulhada em aço reluzente

doando ao ar todo o espelho
espectro de dias e horas
o livro que contém todos os nomes
que nas bordas trazem profecias
de vates infantis e incompletos
de bandeiras em frangalhos

as fotografias espalhadas no lençol
tudo em desalinho o quarto
a janela de vento e cortinas vivas
o recorte da vida
em meio a uma descoberta tétrica

a tentativa de racionalizar o medo
enquanto o vento dobrava as bananeiras
e o quintal se transferia ao poucos para o futuro
e depois o esquecimento
em uma máquina de devorar a si mesma

nunca mais houve um dia como aquele
e o gosto de menta doce e pedras nuas
calor morno subindo a espinha
fôlego parado em afogo
quase um útero por um segundo

lua de água azul
e sempre a mesma memória

(quando nasci não chorei
arrancaram-me da morte sem meu consentimento)

4 comentários:

BUSSOLA LITERÁRIA disse...

Sua maneira de expressar e ilustrar o texto com palavras em forma de dominó, utilizando-se de vocábulos que nos remete as cenas dantescas do cotidiano de uma pessoa assustada, me fez lembrar do paraibano Augusto dos Anjos. Ele também costumava escrever através do simbolismo... Gostei, e penso que descobriu o caminho da sua temática literária, agora é seguir adiante confiante. Talento você tem com notável valor.

José Carlos Brandão disse...

Há versos inesquecíveis aqui (a expressão tem sabor banal, Borges torna a ideia nobre escrevendo "memoráveis"):

"a tentativa de racionalizar o medo"

"nunca mais houve um dia como aquele"
e a estrofe inteira, notável;

"quando nasci não chorei"
esse emergir da morte, num mergulho na vida -

Há versos memoráveis aqui:

Abraços.

Edson Bueno de Camargo disse...

Agradeço os comentários, fazem a gente sair um pouco do marasmo. Apesar das possibilidades do blogue como difusão, nem sempre há um feed-back. o elogio do professor Dilson é um grande alento.

Quando ao José Carlos Brandão, sabia que há uma mútua admiração. Gosto muito de seus versos.

Anônimo disse...

cara, ouvi amigos te elogiarem (josé geraldo neres, rubens zárate- que trabalharam comigo no ponto de cultura 'laboratório de poéticas'). depois de muito tempo, vi o link do seu blog no blog do neres e, por curiosidade, entrei aqui.

esse comentário é só pra afirmar o que essas figuras me disseram a teu respeito: um trabalho não só belo, mas admirável.

congratulations, man!

evoé!