Edson Bueno de Camargo
1
sólido silêncio
catedral de giz
esqueletos microscópicos calcinados
de tempo
até a cal
estuque a suster paredes eremitas
herméticas e hermafroditas
(o ápice da perfeição de dois mundos)
nada a dizer ao
canto do galo
de bronze
sobre a velha igreja barroca
e o tinir do sino oco do mundo
os metais vazios e seus dedos sangrentos
e gangrenados
o sol a pino
seca as sementes de amanhã e de toda a esperança
as calçadas divagam solas de sapato
e bitucas de cigarro
o vento mede as distancias
entre o sol e a terra e a terra e a lua
por duas vezes
grãos de areia contados em estrelas
e cisternas secas
e potes astecas quebrados
2
um cão corta o passeio
com feridas abertas
com lástimas de morte e saudades
um cão serpente
escamas lustras
de olhos luzidios
come os cabelos
do pesadelo
um cão menor
morto
jaz nas esquinas de água azul
como água fervendo
3
olhos de opala
(de mil cores brilhantes e vibrantes)
caleidoscópio de raízes e bétulas
espectro luminoso de toda a criação
4
ainda assim
corre todos os dias à espera
a estrada é a mesma de antes
ainda escorre o sangue abissal
dos dias ocos
beija a pálpebra com toda a pestilência
e é possível amar aqui
sobre os trapos rotos
que se transformaram estes dias
para todo o sempre e agora
Um comentário:
Um poema tão vasto, tão rico... fosse comentá-lo por completo, gastaria todo o "giz"...
Recolho-me então a (re)contemplar como arquitetas a tua poética nesses versos brilhantes:
"estuque a suster paredes eremitas
herméticas e hermafroditas
(o ápice da perfeição de dois mundos)"
Vemos que até nas paredes, a condição humana é personificada, ramificada e reforçada com rastros de tempo.
Sempre me impressionas.
Grande abraço.
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