segunda-feira, 30 de agosto de 2010

sombrinha de doze varas



Edson Bueno de Camargo


1

sombrinha de doze varas
sobre o pano
dormem quinquilharias

“compra senhoro”
a mulher tem cabelos brancos
e sotaque romani

a cigana insiste
guarda-chuva chinês de muitas cores
buquês de flores
transbordam cores na seda falsa

(está caro
penso
não compro)

“faz mais barato
paga diferença depois”

já não ouço mais
minha mente já está longe
rouba o cinza do céu
e dos olhos que me fitam
uma certa indiferença

2

a árvore morta
serve de moldura
a fotografia que não tiro
(esta será só com os olhos)

pequenos pássaros
na distância parecem pretos
hoje o dia está com pouca luz

3

flores de dente de leão
pedem o sol
que a tarde nos nega

sua cor destoa
do que nossos olhos esperam




4

a mangueira
tem tantas flores
que lhe pedem os galhos

não sabe a planta
não estar em um vale
ensolarado do Ghanges ou do Indo

faz o papel ambíguo
de florescer neste planalto frio
a guardar o silêncio do horizonte esbranquiçado


5

nada muda o que sinto
a tarde só fala o que está dentro de mim

contas de vidro



Edson Bueno de Camargo



doses de amargo
quebram as pétalas das flores
em agridoce semelhança com a vida
(mas ainda assim desigual)

pagar o dízimo
das contas de vidro perdidas
entre os dentes
e caídas
dos dedos senis e trêmulos

o amor é uma construção permanente
o cimento que une o universo
e há mais metafísica
em olhares adolescentes apaixonados
(e seu brilho doentio)
do que nos arcanos
das esferas orbitais de júpiter
e contornos oculares de Galileu
(suas derradeiras ferramentas)

o ósculo da matéria
cinco segundos antes da destruição total
nos revelará de vez
a verdadeira verdade

mas ai será tarde

nêsperas verdes

Edson Bueno de Camargo


em gravidades
raízes minerais da casa
se afundam em uma alma de granito
buscam o coração do leito argiloso

a casa adquire
conotações vegetais e fractais
de crescimento áureo
matemática de ouvidos sonoros
de esferas
e música pitagórica

as estrelas se derramam
sobre o quintal sem luz
de interruptores fechados
e nêsperas verdes

as crianças no escuro
escondidos em olhos algozes
com asas de corvos agourentos

as feridas cobertas com as penas rotas
de ave jovem
renovadas em tombos breves
joelhos arruinados penitentes
e cotovelos cascudos

:

no calor das tardes de verão
a luz que agredia os olhos
era a grandiloqüência de deus
em nossos corações
e braços abertos no vento

mas tudo tem seu fim

orgânica



Edson Bueno de Camargo


a paisagem urbana
se amarra ao por do sol
em cabos elétricos e postes
luminárias de fogos ardentes
ao tomar ares de nave espacial venusiana

os fios costuram o céu
em armações e nervuras
como capilares sanguíneos
que se enredam por toda cidade
onde sangue de elétrons
transportam movimento e números

as construções buscam a luz
competem em devorar horizontes
dia a dia
jardins estéreis da babilônia
recobrem a terra ao infinito

muralhas sem reboco
babel que nunca termina
devora cimento virado nas calçadas
em manhãs de domingo
fome insaciável de pedra e cal
e lajotas vermelhas
que nunca cobrem suas vergonhas

a cidade é orgânica
monstro vivo e cada vez mais lento
e somos os parasitas
que habitam a sua barriga

múltiplas bocas


Edson Bueno de Camargo


o céu carrega paradigmas
para que se sustente
sobre a cabeça dos homens
antes da própria existência do ser

a vida tomará o lugar da vida
em uma teimosia ímpar
em uma bela certeza
que sobre cadáveres brotarão flores

(a morte para a natureza
significa a continuação da vida
simples mudança de forma
e aproveitamento de energia)

tudo está em tudo
e como vida
já experimentamos todas as coisas
e estivemos em todos os lugares

(o tempo
monstro de múltiplas bocas
a tudo e todos devora
a transportar para o futuro)