segunda-feira, 28 de junho de 2010

brasílica cidade




Edson Bueno de Camargo

para Dom Bosco, o visionário

dobro esta cidade
em folhas de papel

burgo imaginário
conto de fadas

desenho quase infantil
de uma deusa egípcia

coração de aço
a se amarrar
em vergalhões escondidos
sob tanto cimento

como me toca o coração
em nevoentas saudades
de um planalto
que não é o meu velho planalto


por que este sentimento antigo
por um lugar onde nunca
plantei meus pés
?




Poema por ocasião do Cinquentenário de Brasília.

a parte que te cabe





Edson Bueno de Camargo


para o amigo Celso de Alencar

Circe
amarrou a Ulisses
com não correntes
usou os músculos de sua vagina

mesmo estando em êxtase
a saudade de seu chão
e do cheiro do esterco das ovelhas
o chamavam para casa
e se libertou

Circe disse fica
mas Ítaca clamou mais alto

o esperava em casa
uma vagina mais mansa
e doméstica
sem grandes bailados
e malabarismos
mas que demonstrou um furor selvagem
ao se fechar aos machos
que não eram para ela

e na vingança e na morte
se abriu em sorriso
enquanto seu homem
trespassava seus adversários com flechas

nas noites que se seguiram
Ulisses não sentiu saudades
da insaciável bruxa deusa

Penélope
cansada de tecer
exigiu a parte do homem
que lhe cabia

potes paridos

Antigo Pinax coríntio mostrando o interior do forno.

Edson Bueno de Camargo

o bloco de granito
em seu sonho de sílica e alumínio
respira pratos e xícaras

inspira para o interior da terra
o calor de fornos de mil graus

a terra bebe a sede
água de potes
de artesanía incomparável

potes paridos
por oleiros besuntados de argila
homens cinza
homens barro
e cabelos emaranhados de porcelana crua
árvores humanas
e seus frutos torneados a frio

poteiros com os pés fincados
na terra agora úmida
e depois matéria prima que seca ao sol

o chão da oficina
é fábrica e útero do mundo
da criação dos seres e das coisas
da lapidação de deuses inconscientes
o calor da fornalha
que a tudo devora
e ama

domingo, 27 de junho de 2010

raízes

“Raízes de uma Janela para o Futuro” Leandro Alvarez de Lima




Edson Bueno de Camargo


meus pés se ficam
como raízes e árvores
nesta casa


minha voz está em suas paredes

esquizofrenia


O GRITO -(Edvard Munch)

Edson Bueno de Camargo


dou passos ao acaso
e como diz o poeta Antonio Machado
a estrada se cria sob meus pés

sempre quis ser um artista plástico
o poeta entrou em minha vida de contrabando
junto o músico que menosprezei

o poeta é o mais persistente
dos sintomas
de minha esquizofrenia

incertos

Edson Bueno de Camargo


gosto de observar
o desenho
que o vento faz
com as folhas na rua

o outono
é a época das imagens
dos incertos

outono



Edson Bueno de Camargo

o outono me trouxe um gato morto
em frente ao portão
jazia hirto
com uma moldura de folhas em torno

o vento
o acalentou na morte

será que o gato
que morreu à minha porta
buscava alento nos fantasmas
de outros gatos
os que perambulam
pela minha casa
?

quarta-feira, 2 de junho de 2010

as pálpebras

By - CarolMe




Edson Bueno de Camargo


as pálpebras
alquebram
em sono senil

as sombras
são pedras duras
de quebrar
em sonhos

o pão
não alimenta
a mão
que morde
os dentes da fome

a palavra vai
para além
destas fronteiras agudas
repousam na língua

ali se cristalizam
em gotas calcárias
e músculos

paralelos



Edson Bueno de Camargo


as águas correm em paralelos
os papiros desenham o vento

há um Nilo esverdeado de esmeraldas
correndo em nosso sonho

o que não vemos

de outra feita



Edson Bueno de Camargo


há um esforço
para que a luz
chegue aos olhos

um milhão de anos
do centro à superfície do sol

a luz atravessa
já cansada e antiga
a nossa retina

de outra feita

como capturá-la

conhecer (ou anzol)



Edson Bueno de Camargo




há momentos
que somos escravos
da sede de conhecer

o peixe
morde a morte
mais por curiosidade
que por fome

sufocada



Edson Bueno de Camargo



descanso a mão
sobre o parapeito da janela

a paisagem é aos poucos sufocada

o azul do céu
não está mais

terça-feira, 1 de junho de 2010

enxame



Edson Bueno de Camargo



nas escadas
os anjos sobem e descem


minha vida
(em um enxame de abelhas)
se esvai pela boca

nos varais



Edson Bueno de Camargo



nos varais
sonhos em fios e pregadores
secam ao sol inclemente
de verão

espera

Edson Bueno de Camargo



vestido pousado
aos pés da cama
(a lembrar ainda
conter teu corpo)
denota a tua ausência

mas é em mim
que se faz sentir mais

esquecimento



Edson Bueno de Camargo


o corredor da casa nova
engole rajadas de vento
e folhas soltas

o esquecimento
esfria mais o ar
que este vento polar
que lembra inverno

universos

Foto: Gerard Vlemmings



Edson Bueno de Camargo


o menino
cria universos
no céu que vê
refletido nas poças da água