sexta-feira, 16 de julho de 2010

velho rádio



Edson Bueno de Camargo


às vezes
admirava-me
quando olhavas sem sorriso
e a noite engolia teus cabelos
mergulhados aos poucos em uma grande tina

a água que refletia estrelas
e a luz morta
que atravessou o espaço
e o lago de teus olhos imensos

desejo de chorar em escamas
abraçadas aos cântaros

escadas para o céu
tocavam insistentes no éter
e no velho rádio na sala

e esta cozinha
era uma pista imensa de deslizes
não mais sabia
que viver não era mais que isso
catar fragmentos de raios cósmicos
que perfuravam o vidro da janela
e observar lento e persistente
a chama de uma vela ao se consumir
incorporando seu combustível ao ar
até que este se extinga

meus papéis senis perdidos de seu sentido
e livros amontoados aos cantos e estantes indeléveis
poetas vociferando canções lúgubres
marcha soldado sem direção
e rebeliões que se dissolviam em terebentina e álcool

:
enquanto isso
cebolas e batatas ferviam
em borbulhantes panelas
com seus diálogos e estouros e borbulhares

eu olhava pelos vidros
e com um dedo infantil
garatujava um nome na neblina
enquanto olhos me observavam da possível floresta

nós nascíamos todos os dias como narcisos
e voltávamos e voltávamos sempre

2 comentários:

Denison Mendes disse...

belo!

Unknown disse...

é lindo demais...

sei os motivos da Adélia Prado te emocionar tanto...

beleza é espelho, se a viu? já era (a) tua!

beijos,

Giselle Zamboni