quinta-feira, 26 de março de 2009

diagramas

Edson Bueno de Camargo

abrir a porta
entre diagramas
de vidro recortado
por dente de diamante puro
agudo

móbiles
de equilíbrio precário
teia de aranha
gotículas

todas as linhas
de papel em branco

reconto-me

priva

Edson Bueno de Camargo

o silêncio não fala
priva
não ouve
a ausência de som

há uma folha que cai
em algum canto desta sala
pétala branca
de flor que não está viva

babilônia

Edson Bueno de Camargo

há em todos
estes edifícios

algo de
torre de babel

em língua
que todos falam
e ninguém entende

de jardim da babilônia
onde todas as plantas já estão mortas

ossos

Edson Bueno de Camargo

os ossos
são o cavo do lenho
como das árvores

onde corre
nossa seiva
desde o tempo de nossos avós

onde se formam
nós
de duro desate

são nos ossos
onde nossa alma
é mais frágil

percorrem dentro dos músculos
nos moldam e nos sustentam
e carregam o peso do tempo e do frio

também suportam
(não sem o seu preço)
dores ocultas
e inconfessáveis

olho pássaro

Edson Bueno de Camargo

um inseto com cores mudas
brilho de vidro recém quebrado
estilhaços de janelas azuis
e suas dobradiças com barulho de tempo
de lascas de madeira ao Sol e intempéries
desenho de geometrias não planas
cuja leitura traduz conhecimentos ancestrais

as roupas seguram o vento e se dobram
fazem um balé estraçalhado
os cordões esticam
os varões de bambu cortados na Lua minguante
(para nunca apodrecerem)

um olho pássaro
percorre o quintal inteiro
(sentir os pés se descolando do chão)
mesmo hoje flores deslindam perfume
a grama cresce sem que lhe aparem
as casas brancas entardecem sonolentas

quinta-feira, 19 de março de 2009

Ícaro

A queda de Ícaro - Rubens




Edson Bueno de Camargo


estava Ícaro da vida

mas

as asas secavam no varal

líquida

Edson Bueno de Camargo

a chuva é fantasma
esta tarde
(e todas que a sucederão)

e tudo se dilui
nesta água que não existe
onde deslizam naufrágios de planadores com dois pares de asas
e cortes profundos na superfície

no entanto
é líquida
e se cicatriza

viço

Edson Bueno de Camargo

era uma daquelas tardes sem sonho
suor dormido
e pálpebras pesadas
com mesas e toalhas xadrez
insuportáveis
e as ondas de calor no asfalto faziam vertigens
que se no deserto
diríamos oásis

você me pediu viço
e equivocado dei mais vinho
e murchei mais um pouco
quando seus olhos ficaram opacos e distantes
(percebi que naquele momento algo entre nós se perdia)

talvez houvesse sal demais
entornado à mesa
(e quinhentos diabretes riam de nosso azar)
ou tivesse passado um pouco das dez
e estávamos irremediavelmente bêbados
e tudo que fosse vidro e vazio
jazia aos cacos no meio fio

Wall Street (ou rua do Muro)

Edson Bueno de Camargo

o poeta chora quando
libera flâmulas vermelhas
pelos olhos
e cintilam estrelas estéreis
que iluminam o céu
de uma Bagdá e seus prédios em chamas
as crianças correm atrás dos tanques
(igual a quando éramos garotos também
e o velho caminhão da fábrica passava)
as colunas de fumaça negra
são os sonhos
de um deus enfurecido
(mesmo que tenha sido esquecido)

-mãezinha hoje não tenho mãos
roubaram-nas os cobiçosos
pelo brilho do duro carbono
meus dedos brilham no colo da damas
nas noites iluminadas de Paris

não reconheço este
chicote e o sal que me jogaram nas costas
puxei o gatilho tantas vezes
que criaram calos nos dedos
e secou o arrependimento que me corria aos olhos

o chifre da lua
goteja sangue enegrecido
e aqueles que brilham
com membros decepados
descansam na beira da estrada
a espera dos comboios azuis

em Wall Street
garotos marotos brincam com nossos olhos e orelhas
em seu jogo de ganhar e ganhar sempre
fazem uma grotesca ciranda
arremessam dentes de ouro para sua aposta
brincos de besouros vivos
lágrimas congeladas no escuro
(antes os braceletes tinham suásticas
hoje estrelas de David, sob os ternos pretos)

os tijolos da Rua do Muro estão assentados
com medo e excrementos
é necessário sangue para seu lucro
são precisos porões e “cala-bocas”
chamam de dinheiro duas pequenas mãos decepadas
o dedo do gatilho calejado de fogo

o velho de barbas brancas
já não suporta mais o cinismo
e nos abandona
tudo se arca ao tempo
menos o medo dos fracos e o desejo de ouro dos loucos

crisântemos nascem selvagens na calçada
e renascem quantas vezes
a sola dos sapatos caros os esmagarem
e sempre e sempre esmagados em um círculo sem fim

tenho sede
dá-me de beber da água
que tens guardado
pois os que tem sede de justiça serão saciados
(só não sabemos quando)

tenho fome
dá-me de comer os que tem negado pão
para que fique mais caro
(e ficam ricos)

tenho sono
dá-me abrigo
nas casas que tens hipotecado e colocado em usura
(e tantos dormem nas ruas)

e não sei se dormir
volto a acordar neste pesadelo
ou no sonho

na costa da África
onde a serra parece as costas de uma velha leoa
o menino vê o mar e sorri