sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

sombras

Edson Bueno de Camargo

aqui somos os que fazem
sombras
e das sombras

dos que buscam cura
mas não a acreditam

dos que deram duas voltas
em torno da casa
pensando a sagrada caaba

que penduram arames
nos galhos das mangueiras

perfuram os olhos do tempo
e buscam no horizonte
respostas

em paredes

Edson Bueno de Camargo

roubarei-te sombras
em paredes
quando caminho sobre
pés de asas de borboleta

pois olhos espinho
observam roseiras
e choram pétalas
sem cor

o temor líquido
que acolhe mágoas de dragões
e porcelanas na cristaleira manchada de anos

inquilinos do outro tempo
bocas ensandecidas
rosas de pura carne
que mastigam
duros diamantes calcinados

teluricomancias

Edson Bueno de Camargo

ela é agora uma das mulheres da casa
ou mulher-casa
- assim se podemos dizer

esta combinação alquímica
de útero e terra
umidade e calor
entranhas de pedra candente
turmalinas mastigadas
teluricomancias
que aos poucos torna estas mulheres
antes novas
em luas cheias

(toda mulher é um vulcão domesticado
a guardar terremotos em seus zelos
e perigosos orgasmos)

são para a casa
outras e as mesmas
suas águas e suas telhas
o chão que se pisa e o céu sobre as cabeças
estas
que puxam cordões pelo umbigo
de onde tiram as fibras
ao qual se atam as meninas e depois os meninos
para que não vão embora
(e vão)
(rompendo em choro à suas partidas)

há das quais nos lembram como de janelas
e móveis
os gonzos das portas
retratos nas paredes
genealogias femininas
benzeduras
urdiduras e tessituras
os santos de toda a espécie (europeus e africanos, mais os que já estão com a terra)
fazem pelas suas bocas:
voz

(e estas também os homens tanto temem quanto amam)

ainda falta algo

Edson Bueno de Camargo

ainda falta algo
choro de pedra
basalto ou arenito do deserto

quer das alturas que alcançam
o canto dos pássaros
e agora mudo

quer o acorde dissoluto
de derrubada de árvores (dos Édens)
quando jaziam sob os olhos do pecado

moças nuas a banhar-se em
águas piedosas
(e luz da lua)

já não tinha aquela inocência
nos olhos
mediam-se as vertigens pela
ingenuidade da chuva

“estamos todos condenados a ser livres”
dizia Sartre
antes mesmo de se tornar um ícone
e ser tão inútil quanto um de nós

banho-me

Edson Bueno de Camargo

banho-me em águas cruéis
enquanto observas
em cálido objeto desejo
de ser tragédia e chama

conduzo a chuva
entre medos
em puro verde e rosas pálidas

dentes-de-leão
cresceram em tua porta
porque plantas silêncios às escondidas

ri de minha tolice
a dama que desvenda os meninos
destes que choram no escuro
e se afundam nos seios das mulheres
tristes e libidinosos a buscar alento em tanta fartura
como se isso
lhes desse as respostas esperadas

devo beber deste leite
buscar regaço
na floresta úmida e trágica
ou
em nuvens de pó
deste deserto agora

os cheiros da casa

Edson Bueno de Camargo

tomei de teu olhar
o reflexo do espelho
poço de muitas profundidades

outras pedras miúdas
contidas em nuvem
na altura exata

criar uma lenta penumbra
em tardes de devaneio

entre perfumes de hortelãs e
anis que fica azul em contato com a água

teimam os cheiros da casa
se misturam aos claros de luz das frestas da telhas