terça-feira, 11 de maio de 2010

René Magritte

René Magritte, La Reconnaissance Infinie (1963)

Edson Bueno de Camargo




no alto de um poste
um homem lê um livro de poemas
a paisagem corre
vertiginosa à sua volta

aquela silhueta
imprime ao horizonte
um não reconhecimento da lógica

o homem lê absorto
em confortável estética
como se fios invisíveis
desenhassem suave poltrona

o olho observador
vê uma queda
iminente demonstração
das leis de Isaak Newton
ou seja
a queda como a de uma maçã de uma árvore

não há construções
de toda a filosofia disponível
que sustentem um homem no ar
ou pior
no alto de um poste de eletricidade

para nós que o vemos
em tal posição de perigo
inspira o medo e a inveja

indiferentes ao homem
e o possível dilema alertado
dois corvos
alçam vôo
criando duas manchas
no azul perfeito do céu da tarde

“sonho com serpentes”

M. C. Escher


Edson Bueno de Camargo

“Sueño con serpientes, con serpientes de mar,
con cierto mar, ay, de serpientes sueño yo.”
(Silvio Rodríguez)


que se envolvem entre si
em carne viva
em exposição
em expiação sangrenta

ninho coleante
e viscoso
gangrena dos ossos
vulcão orgânico e pestilento
de ovos
de larvas
de morte lenta adiada

tenho muitos olhos
tenho muitas bocas
e muitas línguas todas bífidas
o cheiro do medo buscam

sonho que estou vivo
(quando morto)
e andando
não caminho um metro sequer
sufoco em líquido
e meus movimentos são pulmões afogados
me afundam na areia movediça
nada me conduz
sob este céu insano

falo o som das escamas
dos estalidos de pequenos ossos
e palavras
com o fogo feroz
dos olhos animais acuados
fogos fátuos
e versos metálicos da palavra réptil

“sonho com serpentes”
e estas me devoram os olhos