terça-feira, 4 de setembro de 2007

pluma

Edson Bueno de Camargo

a palavra tem o peso
que a palavra tem
pluma breve
oferece o peso de meu coração a ti

a palavra presa
contém o breviário das horas e dos dias
e a pena que não possuí o pássaro
nem ave que não,
ama

meu fígado, não meu coração, é quem ama
e seu peso não é mais que uma pluma

a pena tem o peso
que a tinta grávida de palavra tem
pássaro breve
breviário de quem ama as horas e os dias,
leve

gelo entre os dedos

Edson Bueno de Camargo


aqui enterrei meus mortos
nesta cidade de telhas claras
e a linha do céu não se define no cinza
onde o oco da terra abriga
coleções de esqueletos brancos

ali plantei uma árvore de carne
(em homenagem ao pai mais antigo que o outro)
que serviu de suporte a meus ossos parcos
e nela jaz enforcado um cão ainda em agonia
todo o sangue obliquo de crianças vingadas
e cabelos de cascatas de cometas

há um grito surdo de mortes precoces
inocências imoladas em campos de batalha
aqueles que carregam pedras de gelo entre os dedos
e uma agonia antiga e intacta entre os dentes

um barril repleto de braços amputados, mãos
e orelhas e narizes decepados a facão
ampulhetas de linfa coagulada e reduzida a pó
pedras de peixe ( fortuna escondida no porão)
retratos de lordes emoldurados com pele humana

há um urro indolente de tesouras de aço enferrujado
prata e ouro enredados em fina tapeçaria
um coro de choros incontroláveis de mães em praça pública
em cidades sitiadas
em muros de vergonha
e campos sem cultivo
que na falta de justiça se referem a vingança com graça e apreço
há um rio que corre destes olhos
água agourenta e salgada
que devora como ácido
toda a alegria e esperança

cães sem dono

Edson Bueno de Camargo

língua de salamandra
úmida e esbranquiçada
as patas delicadas sobre vidro moído
subir em paredes é uma ciência antiga
onde anjos rebeldes
revelam a minha nostalgia

presa na traquéia
a aranha
teia veloz de encantos

máquina de comer terra
de tremer de frio com a chuva
lábios vivos e roxos
lívidas passagens bíblicas despovoadas de medo
dedos definhando em solidão
de passos apressados no corredor do hospital

(eu não tinha pressa em nascer,
poderia morrer ali e naquele instante)

no dia em que não viestes
a lascívia dormiu ao relento e só
com colheres de prata à mesa
e xícaras brancas com detalhes de flores lilases

depois o dia de enternecer
chegou tarde
lírios brancos povoaram o jardim
um impulso onírico de velas enfunadas
assassínio de ventos alísios

reli o céu e suas serpentes de prateado agudo
argutos argumentos de véus em chamas
cães sem dono na rua
vadios como nós enlaçados à noite