domingo, 28 de setembro de 2008

ferramentas no tempo

Edson Bueno de Camargo

agora é inverno
e isto não me traz mais que
cordas velhas quase a se arrebentar
e uns panos rotos
que mal cobrem horizontes
tudo aqui dentro
no peito

as ferramentas no tempo
e o tempo perdido entre as coisas
um princípio de ferrugem
algo semi enterrado
uma grama que cresce indolente
coisa que não tem ajuda
nem dono

de jardins a espera
de sementes a espera
como dentes de orvalho e muita mágoa a espera
de quem os vá cuidar

não fique de todo triste
pois tristeza é como dor
fica velha e não passa
mais se acostuma
se não de todo
quase em boa parte

pois somos nós
como a figueira seca
que espera melhor água
açude sangrando na primeira chuva
teima em primavera
por verdejar

os cabelos das mulheres

Edson Bueno de Camargo

olhos de auscultar escuro
nas longas sombras de outono
em comas sem sonhos
as mesmas coisas sempre
e lentas
medo “in vitro”
as memórias que a água nega

pés de andar desertos
como vento que alisa a areia
uns lábios de esconder palavras
fiando a senha dos abismos
onde elipses de estrelas nascem ao modo de flores

(o silêncio de uma mulher
é mais perigoso que o olhar da Medusa)

caminhar areias vermelhas
barro argiloso seco
craquelado em múltiplas faces


há de se esquecer para poder se lembrar
há um chão movediço sobre as cabeças
asas de pássaro nas orelhas dos livros
onde escrevi um verso infantil
com a tinta não produzida por girinos


Cartago espera sua destruição
não há como se evitar
até os cabelos das mulheres serão armas
quando tudo o que houver será desejo
e àqueles que por ele sucumbiram
salgarão as estruturas da casa
para que não rebrote de novo
mostrando suas brancas paredes
sugarão o limbo de eras e de perpétuo olvidar

tudo pela glória dos deuses

tudo em ti

Edson Bueno de Camargo

dispo-me de minha nudez
espelho em teus olhos
eis pois
mesmo a minha pele me pesa
mais que o ver

não se suporta viva
aquela que me cobre
antes mesmo do chegar dos dígitos
à sua antecipação

o princípio do ter
precipita-se em gesto
em gosto
em leve olor de brisa e suar ao sol

pois tudo em ti
se encontra tatuado em minha epiderme
e antes desta em minha carne
e antes desta em minha alma

tocar-te é como ver-te
verter-se em alísios ventos
e alisar-te ancas e vazios das costas