Edson Bueno de Camargo
eu a atravessar a rua
com um pequeno frasco à mão
fumaça sobre asfalto morno após chuva intensa
vidros sujos dos prédios
e lâmpadas velhas a piscar em ruído
eu chaves e uma bala de hortelã no bolso
bilhetes de metrô
e duas moedas de cinco centavos
eu sentado em um sofá velho
vermelho encardido
jornais deslindados
fumando mentolados de contrabando e ervas finas
um livro de poemas todo anotado
eu uma cinza apagada caindo dos dedos amarelos
unhas desleixadas e saudosas de aço
eu depois
ruminando poesia com café preto à tarde
duas colheres de açúcar e muito pouco leite
tudo prestes à acontecer
eu uma dose de uísque com água de torneira
em que meu olhar se perdeu em tom âmbar e triste
sob um par de óculos de leitura
eu uma navalha manchada de sangue
louça de banheiro: branca, fria e triste
uma revoada de pombos à chegada da noite
eu cilindros de oxigênio azul e concentrado
hospital com fachada manchada e chuva e tempo
a esperar que a asma não volte
e respire em sono tranqüilo
eu duas doses de gim antes do jantar
uma mesa coberta com uma toalha floral
uma tulipa a perder pétalas
em um jarro com a água amarela
eu esperando a tua mão
cais que aguarda e mantém
segurar e esperar a noite
até bem tarde