quinta-feira, 10 de julho de 2008

hortelã

Edson Bueno de Camargo

eu a atravessar a rua
com um pequeno frasco à mão
fumaça sobre asfalto morno após chuva intensa
vidros sujos dos prédios
e lâmpadas velhas a piscar em ruído

eu chaves e uma bala de hortelã no bolso
bilhetes de metrô
e duas moedas de cinco centavos

eu sentado em um sofá velho
vermelho encardido
jornais deslindados
fumando mentolados de contrabando e ervas finas
um livro de poemas todo anotado

eu uma cinza apagada caindo dos dedos amarelos
unhas desleixadas e saudosas de aço

eu depois
ruminando poesia com café preto à tarde
duas colheres de açúcar e muito pouco leite
tudo prestes à acontecer

eu uma dose de uísque com água de torneira
em que meu olhar se perdeu em tom âmbar e triste
sob um par de óculos de leitura

eu uma navalha manchada de sangue
louça de banheiro: branca, fria e triste
uma revoada de pombos à chegada da noite

eu cilindros de oxigênio azul e concentrado
hospital com fachada manchada e chuva e tempo
a esperar que a asma não volte
e respire em sono tranqüilo

eu duas doses de gim antes do jantar
uma mesa coberta com uma toalha floral
uma tulipa a perder pétalas
em um jarro com a água amarela

eu esperando a tua mão
cais que aguarda e mantém
segurar e esperar a noite
até bem tarde

pétalas quíntuplas

Edson Bueno de Camargo


didática de gafanhotos em marcha de devastação
cantares apaixonados por múltiplas fêmeas
lúbrica fertilidade
libido da destruição contínua
o esgotamento
a escassez
devorar e procriar até a total devastação
até que nada reste a não ser morrer

desejos prisioneiros de gotículas da chuva
pequenos universos roubados da suspensão do gelo
o amor atando tudo com fogo
e saliva
sangue
sêmen
o retorno à terra de nossos corpos


olhos de água corrente
carregam perigo
correntes de fluxo contínuo
a quebrar em pétalas quíntuplas
em brancos e amarelos quádruplos
semiótica de nuvens brancas e azul intenso
( aos poucos entendo mais e mais Elliot)