sexta-feira, 9 de março de 2007

o som que há em tudo

Edson Bueno de Camargo

hoje amanheci com um peixe dentro do ouvido
e este me contava todas as histórias desde o princípio do mundo
de quando as novas coisas ainda eram velhas
vestidas do útero da terra

corri com o chacal e senti o cheiro do medo e o gosto da morte
e me pintei com o sangue do animal que abati
e chorei seu espírito e seu sacrifício

dancei sobre o fogo dos vulcões imemoriais
e respirei de novo pelas guelras o sal do primeiro mar
dormi sob o manto da primeira longa noite
na vigília do primeiro coiote sobre a terra

e a velha anciã me levou para o topo de todos os lugares
e me apontou as estrelas que caiam do céu
e de como somos filhos delas
seus dedos magros e secos se encheram com meus cabelos
e sonhei o sonho de todas as coisas
e que eu estava em todo o lugar

chorei todas as tristezas do mundo
e minhas lágrimas correram como torrentes montanha abaixo
e meus pés criaram raízes
e me tornei uma grande árvore
e fui abatido por um grande raio
e sua voz era como o som que há em tudo
e queimei até só sobrarem cinzas
para que tudo principiasse novamente
e vi minha semente nos olhos de meu neto

óleo

Edson Bueno de Camargo

qual o tipo ideal de óleo?

para azeitar peixes
e tentar apanhá-los em cascatas orientais

para que o vermelho vivo
tome pássaro de pedra basáltica
o negro céu amanhece neve

para pássaro roca
iluminando o estreito de Ormuz
quando o Argos tomou as pedras do leme

para navios açoitarem os continentes
imperfeitos intérpretes de intestinos
e voláteis luzes