segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

simetria

Edson Bueno de Camargo

línea teia seda de aranha
amarras cruzados destinos
o arcaico som que transpõe o dia
lindos caracóis das ilhas Maurício

a tamponação de um cadáver
é extremamente importante
nas primeiras horas da morte
ante o esfriamento da gordura humana
que poderá ser coletada em estruturas de jasmins
ou flores de narciso como cópulas amarelas

a repetição do temo contorna
de novo a cor azul

não retorne dos meios ocos
sóis de estrias longas
que árvores vivas plantam-se
de cabeça para baixo
ter por horizonte
doze troncos de carvalho em perfeita simetria ladeados

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

abril de 1979

Edson Bueno de Camargo

respiro flores de plástico em sua fronte
enquanto mosaicos gregos da Anatólia
reclamam de Bizâncio à sua origem

recolho as gotas de orvalho
pérolas nas pontas de seus cabelos
como as agulhas de pinheiro
na manhã de abril de 1979

chovera a pouco, e em todo o terreno alagadiço
pipocavam árias de Wagner
em voz de baixo barítono

não era o incêndio natural daqueles dias
era uma coisa nova
que cheirava a betume
e chorava flores roxas

toda a interrupção é desagradável
pode nos deixar em uma pequena estação de trem
entre nada e lugar algum
em meio a densa neblina com ares de algodão doce
onde crianças devoram todo o açúcar da terra

é irresistível olhar por debaixo da porta
quando os gansos se entopem de cerveja
e cerejas explodem como flores amarelas do Danúbio

buscar abrigo

Edson Bueno de Camargo

ungir com óleo
o rebentar de pontas de costelas
a dor de nascer de dentro de si mesmo
e andar a esmo pela rua

buscar abrigo sob às árvores
e nem aves de mau agouro te puderem suportar
e com a cor de teus desejos
escrever a carta de luz lunar
e se desfazer em cinzas ao primeiro vento da manhã

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

cabelos brancos

Edson Bueno de Camargo


derramar a seiva vermelha por horas
até que as raízes se amoleçam
em tom de branco liso e limpo

vasos de cerâmica minóica
são completados com as gotas de resina
da mastigação frenética de pequenas cigarras

o verde predomina em contraposição a xantofila dos ambientes
das casas com cadeiras amarelas
alpendres com pérgulas vivas
e vidro azul celeste em móbiles pendurados
com cabelos brancos de senhoras depois dos sessenta anos de idade

figos verdes

Edson Bueno de Camargo

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guitarras flamencas
tocam no verniz de pires brancos
servidos figos verdes e creme

folhas de menta cavalgam o colo
de insetos notívagos
entre as romãs de rubra semente
que seriam azuis em outra ocasião

romãs e figos maduros
são sexos femininos
tomados de carinhos extremos
se desmancham em gotas de deleite
ao calor tórrido dos trópicos



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úteros são flores
que nasceram para o interior da alma feminina
cujo os homens perdem no feto

somos viragos noturnos
esperando a cópula e a morte
não antes sem a lubricidade dos orgasmos
lembranças úmidas do conforto de nossas camas

teu beijo é uma galáxia
e caminho para a extinção negra e sem saída
cada vez que amo
este teu pedaço do princípio de tudo
reforma a ordem das coisas
cria e se extingue mais um universo

sábado, 3 de fevereiro de 2007

tocar as teclas

Edson Bueno de Camargo

não me permitam tocar as teclas
deste piano
esta agourenta ave branca
e seu ramo de oliveira no bico

o sono azul das velas
queimam águas dispersas
o deus velho arranca suas barbas
diante do inevitável luto
o novo acaso ri as escâncaras

a minha outra noiva
está dentro de mim
e seu retorno será a maré
que todo deserto deseja

esvaziemos garrafas verdes
e esqueçamos a noite
em pequenas taças chinesas
quando se bebem estrelas
lambendo a borda de espelhos