Edson Bueno de Camargo
minha primeira carta suicida, dirigi palavras para eu mesmo. embora tivesse firme determinação, sabia que no decorrer do tempo me faltaria a coragem de ir até o fim
os dias passaram invernos, as minhocas produziram húmus sob a terra, pus a termo idéias que não sobreviveram
minha segunda carta suicida, nem cheguei a terminar, num rompante de embriaguez, quebrei uma garrafa de um fino vinho, para cortar os pulsos com os cacos. A visão do vinho derramado antecipou o sangue, esvaecendo novamente o velho pensamento
guardei duas cartas no sótão do pensamento, vivi a inércia dos dias de das noites. Veio um tempo onde não eram possíveis mais cartas
quando senti a hóstia do pó
sob a língua
sangrava-me o nariz
feito beata e santa
bacias e pratos
recebiam goteiras
como relógio de água
neste
contava o intervalo
entre as chuvas
ratos corriam escadas
os cabelos brancos
caíram
vislumbrando a careca de crânio
a primavera
me encontrava nu
com um terço de madeira nas mãos
(T.S. Eliot ria em seu cruel abril)
não havia mais o conforto do vinho
não se deitariam mulheres com tão obscena criatura
minha terceira carta suicida
não encontrou quem a lesse
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