terça-feira, 17 de dezembro de 2013

quirguiz












quirguiz

o espelho
não se reconhece em mim
fragmento que sou
desta realidade/imagem

o espelho
rejeita a efígie
eu quase quasímodo

quirguiz
de uma estepe árida



in "linho branco" by Edson Bueno de Camargo

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

linho branco






linho branco

esta manhã
rompi com a chuva
libertei meus pecados/pedaços
de suas obrigações

(fugiram, nem olharam para trás)

esta manhã ainda
marchei para a guerra
como que não houvesse
qualquer direção
para a paz

teci o tecido mortalha
com o linho branco
da luz da imensidão

de uma lua amarela
tingi meu olhar
carreguei em meus braços
meu eu
morto no mar

as palavras da morte
escrevi em meu peito
sobre meu coração


in "linho branco" eBook a ser lançado em breve de Edson Bueno de Camargo

"santuário"








aberto o campo
verde
verte lágrimas

santo óleo e sal

santuário
iluminado ardente
reparo
de soslaio

ossos brancos
ao léu
esquecimento

relicário natural
bandeiras
verdes e vermelhas,
procissão imperial

fitas azuis claras
aragem tropical
moldura do céu



in "linho branco" eBook a ser lançado em breve de Edson Bueno de Camargo

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Júlio Verne





Edson Bueno de Camargo


gosto muito de ouvir falar pessoas
que tem esta relação incestuosa
e indecorosa com o livro

que os lambem
cheiram
respiram o ar à sua volta
quase fazem sexo
com as palavras e as páginas

gosto muito de ouvir histórias
de bibliotecas assaltadas por piratas
de filhos pé ante pé
a capturar os livros de seus pais
na calada da noite

gosto de ouvir a palavra cetáceo
como se fosse uma confissão de infância
e me vem lágrimas nos olhos
de imaginar capas azuis
com detalhes dourados
(e minha confusão em pensar em Moby Dick)

gosto de ouvir uma pessoa
falar Júlio Verne
como se fosse uma oração
e de imaginar minha filha
nas paredes dos tempos
ainda criança
folheando meus livros de magia
que lhes haviam sidos veementemente proibidos

todas as palavras do mundo
soam-me infinitamente belas
que se somadas constituirão a estrutura
de uma biblioteca infinita
e sei
que um poeta argentino cego
espera-me à porta

( poema para o bate-papo com o escritor Flávio Mello na Biblioteca Municipal Cecília Meireles )

sexta-feira, 12 de julho de 2013

a fome







recobrou o olho
e este tinha fome
a fome insaciável dos olhos

e o olho cobrou a fome
desde os tempos imemoriais da fome

o quanto dar de comer ao olho
se este não se sacia

quanto de velhas fotografias
tanto de livros amarelos
jornais dobrados até se tornarem quebradiços
cartas de amor não correspondido
e flores e frutos secos guardados em gavetas

quanto de moedas antigas
de quinquilharias

a fome voraz de papéis velhos
e dedos envelhecidos
óculos para miopia

de tantos e todos tempos e temperos
que calaram em renascimentos

e aí se destilou o dia
com a luz coada
de olhares furtivos pela janela
e seus vidros ensebados e turvos
cor que se esmaecia


by Edson Bueno de Camaro in "a fome insaciável dos olhos", Editora Patuá - 2013

http://www.editorapatua.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=158

terça-feira, 9 de julho de 2013

sobre o personagem

Image credit: E. W. Kimble


"Tom e Huck são daqui/ descendo as fétidas águas/ do Tamanduateí."
Rodolfo Tokimatsu




de Edson Bueno de Camargo



para Rodolfo Tokimatsu

                                                                            



eu sou o menino Huck
em uma balsa
descendo os charcos
do Mississippi

eu sou os olhos tristes
no escuro da noite
a cadela dormindo
nos fundos
da casa de tolerância

eu sou as histórias de minha vó
nas noites frias de Rio Claro
e depois os cobertores
finos sem dormir
de medo de lobisomem

eu sou o nó de versos e palavras
as páginas de um livro
o risco e o susto
desta poesia sem fim




domingo, 19 de maio de 2013

um anjo chora sobre mim







Edson Bueno de Camargo 

um anjo chora sobre mim
sei porque
chove aqui neste lugar
sempre

há um cemitério de coisas
que se dobram
como uma harpa quebrada
plissados cinzas no cimento

cansei de esperar a morte
ela nunca vem quando esperamos
vou caminhar
pelas alamedas de meu medo
beber o vinho do tempo de guerra



(anjo anônimo - Cemitério da Vila vitória)


segunda-feira, 18 de março de 2013

Malas Perdidas




Malas Perdidas

"vieram de longe
com o almanaque numa das mãos
na outra
algas subaquáticas

traziam um murmúrio
de porões na garganta
e lâmpadas enferrujadas na alma

um lamento de malas perdidas no porto
ao pegar o comboio dos pássaros

são construtores de pirâmides
de bolhas de sabão
todos eles
prestes a fábrica das delicadezas

onde a criança atenta de árvores
decifra as placas
e sua letras amarelas semiapagadas

a estrada lhes era carinhosa
como o faz a poeira em dias preguiçosos

vieram
e ainda carregam no bolso de trás
a tempestade
e ainda um navio
por baixo da palma esquerda

alguns traziam sob o braço
um baú de lamentos
(lembranças da velha terra)
bigodes amarelos
de nicotina e cachimbos de carvalho

no entanto
tinham grande disposição
de calçar as pedras triangulares
das abóbodas da nova casa

aí estava o motivo para
naquelas madrugadas que tropeçavam
no segundo ponteiro
os fantasmas ouvirem

assustados

uivo de malas perdidas
conchas a se quebrarem
e rastros sobre placas caídas
em fogo"

(Edson Bueno de Camargo & Paulo Sposati Ortiz)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

dos 50 ou ode a Roberto Piva em meus cinquenta,




Edson Bueno de Camargo




1

uma metralhadora no hospício
este matadouro de almas
 inchadas de ócio
frigideira do inferno
com banha de porco fervente
e aromáticos
a cozinhar branda e mente minha alma pequena

andei campeando nas ruas
os pedaços doces de insanidade
que roí com meus dentes quebrados
nas vésperas de meus cinquenta anos

estava longe de casa
(em plácidas paragens)
tentando entender
onde é a minha casa
este portal indecente de espelhos amestrados em fogo
que mostram cada dia
a decadência

bacia com molhos de chaves e moedas
para portas que nunca serão destrancadas


2

Shiva desfia seu rosário de galáxias
enquanto entoa seu canto e tambor
e fico preso seco
e língua
em couro de demônios derrotados

eu que recusei a misericórdia dos deuses
hoje sou cão de seus quintais
a espera de esmolas

esse poema miserável feito de ossos
de fragmentos agudos que me escarificam a pele
sendo cada escara da poesia
uma palavra


3

um relógio de sol
na sombra

uma ampulheta
sem um só grão de areia

a ausência de ponteiros
em um relógio analógico

um cobertor puído
de um orfanato inglês do século XIX

o tempo
a ausência e o frio

4

não há nobreza nenhuma em ser velho
envelhecer não nos torna sábios
talvez pragmáticos e mesquinhos

ou sempre fomos assim
(e não nos soubemos)
desenhando sombras na pedra
desdenhando à soleira da porta
o desprezo pelo sol

5

os fantasmas me cercam o tempo todo
com seus sussurros sem sentido
com suas palavras geladas e indecifráveis

eu detesto que me falem em enigmas

6

um homem não deveria viver mais que seus sonhos
 (se os houvesse)


24/07/2013 

 (poema meu de aniversário, postado uns meses atrasado.)
(foto de Cecília Camargo )

domingo, 3 de fevereiro de 2013

canção de ninar






Edson Bueno de Camargo

as trincas no chão
segredam geomântica(mente)
que os armários da sala
caminham à noite nos corredores

nossos fantasmas governam a casa
e a casa enterrada nos alicerces desta

morrer é só um dos mistérios do nascimento
e quando somos crianças e velhos
as paredes entre os mundos são mais finas

acredito que nossos antepassados
nos sussurram aos ouvidos antes de nascermos