Edson Bueno de Camargo
o poeta chora quando
libera flâmulas vermelhas
pelos olhos
e cintilam estrelas estéreis
que iluminam o céu
de uma Bagdá e seus prédios em chamas
as crianças correm atrás dos tanques
(igual a quando éramos garotos também
e o velho caminhão da fábrica passava)
as colunas de fumaça negra
são os sonhos
de um deus enfurecido
(mesmo que tenha sido esquecido)
-mãezinha hoje não tenho mãos
roubaram-nas os cobiçosos
pelo brilho do duro carbono
meus dedos brilham no colo da damas
nas noites iluminadas de Paris
não reconheço este
chicote e o sal que me jogaram nas costas
puxei o gatilho tantas vezes
que criaram calos nos dedos
e secou o arrependimento que me corria aos olhos
o chifre da lua
goteja sangue enegrecido
e aqueles que brilham
com membros decepados
descansam na beira da estrada
a espera dos comboios azuis
em Wall Street
garotos marotos brincam com nossos olhos e orelhas
em seu jogo de ganhar e ganhar sempre
fazem uma grotesca ciranda
arremessam dentes de ouro para sua aposta
brincos de besouros vivos
lágrimas congeladas no escuro
(antes os braceletes tinham suásticas
hoje estrelas de David, sob os ternos pretos)
os tijolos da Rua do Muro estão assentados
com medo e excrementos
é necessário sangue para seu lucro
são precisos porões e “cala-bocas”
chamam de dinheiro duas pequenas mãos decepadas
o dedo do gatilho calejado de fogo
o velho de barbas brancas
já não suporta mais o cinismo
e nos abandona
tudo se arca ao tempo
menos o medo dos fracos e o desejo de ouro dos loucos
crisântemos nascem selvagens na calçada
e renascem quantas vezes
a sola dos sapatos caros os esmagarem
e sempre e sempre esmagados em um círculo sem fim
tenho sede
dá-me de beber da água
que tens guardado
pois os que tem sede de justiça serão saciados
(só não sabemos quando)
tenho fome
dá-me de comer os que tem negado pão
para que fique mais caro
(e ficam ricos)
tenho sono
dá-me abrigo
nas casas que tens hipotecado e colocado em usura
(e tantos dormem nas ruas)
e não sei se dormir
volto a acordar neste pesadelo
ou no sonho
na costa da África
onde a serra parece as costas de uma velha leoa
o menino vê o mar e sorri
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