quarta-feira, 25 de abril de 2007

ocarina

Edson Bueno de Camargo

meu avô materno tocava ocarina
um pedaço de barro que soa como um oboé
por mais que tentasse
nunca consegui imitá-lo
tocar ocarina foi meu primeiro de sucessivos fracassos

sempre me acreditei raiz
do que troncos e galhos
dormir sob a terra traz um certo conforto
que troncos e raízes não me perturbassem
mas os brotos insistem em nascer
espiando para fora da terra

está é a natureza de brotos e galhos
nascer continuamente e crescer
dando novos brotos e galhos
nascer continuamente e crescer
dando novos brotos e galhos

agora me vejo também broto e galho
da grande árvore que sustenta a vida

conduz-me pela mão uma avózinha
seus olhos faíscam fogueiras antigas

eu
que acreditei que a poesia me redimiria
entendi que o círculo habita no ventre do compasso
assim como o nascimento do círculo gera também o compasso
pois seria senão somente um objeto
compasso
antes do nascimento do círculo
um fetiche sem razão e sem sentidos

tomemos pois doses do grão
assim nós que seremos terra
poderemos ser bebidos um dia

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