segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

dos 50 ou ode a Roberto Piva em meus cinquenta,




Edson Bueno de Camargo




1

uma metralhadora no hospício
este matadouro de almas
 inchadas de ócio
frigideira do inferno
com banha de porco fervente
e aromáticos
a cozinhar branda e mente minha alma pequena

andei campeando nas ruas
os pedaços doces de insanidade
que roí com meus dentes quebrados
nas vésperas de meus cinquenta anos

estava longe de casa
(em plácidas paragens)
tentando entender
onde é a minha casa
este portal indecente de espelhos amestrados em fogo
que mostram cada dia
a decadência

bacia com molhos de chaves e moedas
para portas que nunca serão destrancadas


2

Shiva desfia seu rosário de galáxias
enquanto entoa seu canto e tambor
e fico preso seco
e língua
em couro de demônios derrotados

eu que recusei a misericórdia dos deuses
hoje sou cão de seus quintais
a espera de esmolas

esse poema miserável feito de ossos
de fragmentos agudos que me escarificam a pele
sendo cada escara da poesia
uma palavra


3

um relógio de sol
na sombra

uma ampulheta
sem um só grão de areia

a ausência de ponteiros
em um relógio analógico

um cobertor puído
de um orfanato inglês do século XIX

o tempo
a ausência e o frio

4

não há nobreza nenhuma em ser velho
envelhecer não nos torna sábios
talvez pragmáticos e mesquinhos

ou sempre fomos assim
(e não nos soubemos)
desenhando sombras na pedra
desdenhando à soleira da porta
o desprezo pelo sol

5

os fantasmas me cercam o tempo todo
com seus sussurros sem sentido
com suas palavras geladas e indecifráveis

eu detesto que me falem em enigmas

6

um homem não deveria viver mais que seus sonhos
 (se os houvesse)


24/07/2013 

 (poema meu de aniversário, postado uns meses atrasado.)
(foto de Cecília Camargo )

domingo, 3 de fevereiro de 2013

canção de ninar






Edson Bueno de Camargo

as trincas no chão
segredam geomântica(mente)
que os armários da sala
caminham à noite nos corredores

nossos fantasmas governam a casa
e a casa enterrada nos alicerces desta

morrer é só um dos mistérios do nascimento
e quando somos crianças e velhos
as paredes entre os mundos são mais finas

acredito que nossos antepassados
nos sussurram aos ouvidos antes de nascermos

corações cansados





Edson Bueno de Camargo

sinto o caminhar de alamedas
e os cabelos do vento
em meus ombros

como é belo
o sopro infinito dos anjos
em coro

há um espaço reservado de céu
em nossos corações cansados

agora ainda sou menino
e os joelhos em carne viva
como um santo de andor

santo sangue dos inocentes


a cal





Edson Bueno de Camargo

a linha do tempo
entra pelas janelas
e conta a história
da casa

esta passa
pelas gerações de mulheres
de ciclos
de partos

uma mó de moer ossos
o calendário lunar
das regras e das fases

e cada geração recolhe
as velhas gerações
e se encadeiam

e triturados (os ossos) serão a cal
que dará liga a argamassa
das pedras assentadas sobre a terra
ou sob o chão
alicerce de pedras angulares
e nascimentos  



sem minha mão





Edson Bueno de Camargo


tenho plantado
sementes no outono

com esperança
que não feneçam
primaveras em meu jardim
porque flores teimam
em se abrir no inverno
sob o sol tropical
que nos engana

tenho plantado sementes
todos estes anos

com esperança que brotem
e produzam frutos
porque o inverno habita em meu  seio
e o gelo em meu coração

e ainda flores
brotam na calçada
em meio a tempestades que passam
e aves que não migram
cordeiros que não se apascentam

contudo planto (ou as abandono)
e as sementes germinam
sem minha mão